Os melhores de 2023; os esperados de 2024
Oficialmente, uma retrospectiva do ano passado e uma lista das coisas que quero ver no ano que começou
Como avisei na última semana do ano, não gosto de retrospectivas de anos que ainda não acabaram. Inclusive, terminei um livro no dia 31 de dezembro. E se ele tivesse sido ARREBATADOR? Desclassificado? Ignorado? Melhor de 2024? Eu teria que RELER? São muitas questões que cutucam as obsessões de catalogação e categorização.
Além disso, de destacar oficialmente os melhores de 2023 (que quase nada é de 2023… as listas de virada de ano são muito hiperbólicas…), separei o que estou esperando sair em 2024. Alguns livros que já vi por aí, filmes, séries e jogos que já coloquei no meu radar.
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Melhores de 2023
Um dos meus rituais de passagem de ano é que, todo dia primeiro, faço “a passagem das agendas”. É simples. Na agenda que eu uso, tem um espaço no final para anotar livros, exposições, jogos, filmes, séries… e que uso religiosamente ao longo do ano. Daí, transcrevo tudo que fiz para um documento no Notion, deixo em amarelo as coisas que mais gostei e imprimo. Deixo a cópia digital arquivada e a versão impressa, dobrada & guardada dentro da agenda antiga.
Depois disso, passo para a preparação da agenda nova, passo alguns dados, organizo os campos do final para anotar tudo e, em 2024, achei importante anotar algumas leituras e fazer uma varredura no Kindle para lembrar do que foi soterrado pelas amostras ao longo do ano.
Então, abaixo, vocês conferem as coisas que ganharam o fundinho amarelo em 2023 — mesmo que nem tudo tenha saído ano passado.
Livros
A astúcia cria o mundo: Trickster: trapaça, mito e arte, de Lewis Hyde (Civilização Brasileira)
O livro de Hyde foi o que mais usei para estruturar a minissérie sobre os tricksters no começo do ano passado e, até hoje penso, muito nele. O potencial de transformação por meio da linguagem, que é parte importante do poder divino desses trapaceiros, é muito bom porque mexe com as divisões binárias de sagrado/profano, sério/humorado, vida/morte. Se você chegou por aqui nesses últimos meses, pode conferir sobre os tricksters aqui.
Salmo para um robô peregrino, de Becky Chambers (Morro Branco)
Foi minha primeira leitura de Becky Chambers e eu adorei. Para mim, tem uma parte espiritual entre Deuses, Humanos & Robôs, sobre o propósito da existência e o papel da fé/espiritualidade nesse caminho que me tocou bastante, principalmente porque Chambers faz conexões belas entre Deuses & Humanos; Humanos & Robôs; Robôs & Deuses pensando na “hierarquia de existências”. Falei um pouco dele no episódio 424 do podcast 30:MIN.
Estação Perdido, de China Miéville (Boitempo)
Obra importantíssima de Ficção Estranha que estava devendo a leitura há um tempo. Construção de um mundo com muitos elementos, uma trama bem amarrada e complexa na quantidade de elementos que a compõe, uma linguagem bastante barroca (pelo bem e pelo mal) e personagens carismáticos (com direito a mariposas interdimensionais). Sucesso.
Fantasmas da minha vida: escritos sobre depressão, assombrologia e futuros perdidos, de Mark Fisher (Autonomia Literária)
Coleção de ensaios do Fisher majoritariamente sobre música e sobre o que chama de assombrologia: a percepção de uma temporalidade espectral pelo avanço galopante do neoliberalismo. Nesse cenário, os futuros prometidos pelo estado de bem-estar social são desmontados, mas continuam nos assombrando. Comentei de forma mais aprofundada sobre o livro em um dos textos da newsletter.
A vegetariana, de Han Kang (Todavia)
Sinistro e muito bem escrito. O livro trabalha muito com o conceito do infamiliar para contar sobre a sociedade sul-coreana e a opressão feminina. Muitíssimo bem escrito. Falei um pouco dele aqui na newsletter e no episódio 451 do podcast 30:MIN.
O homem da areia, de E.T.A. Hoffmann (Ed. Ubu)
Também articulando os conceitos de Unheimlich, o livro de Hoffmann tem imagens narrativas excelentes sobre duplos, a loucura e é uma contraposição à racionalidade da época em que foi escrito (além da belíssima edição que a Ubu lançou em 2023). Escrevi sobre ele no mesmo texto do livro de cima, uma dobradinha.
O acontecimento, de Annie Ernaux (Fósforo)
Meu primeiro contato com a escrita crua e autobiográfica da Annie Ernaux, que conta sua experiência em um aborto clandestino. Mescla entre narrativa de memória e ensaística, tem um escrito fortíssimo e preciso. Conversamos sobre ele no 30:MIN também.
Corpo de Barro, de João Mendes (Escambau Editora)
Conto nacional e sinistro sobre os órfãos de uma cidade pequena que precisam resistir às tentações do canto do Aboio, que aqui surge como um canto-passeata com seres híbridos que deixa em seu rastro uma trilha de cadáveres pisoteados.
Tênebra: narrativas brasileiras de horror [1839-1899], org. Júlio França e Óscar Nestarez
Coletânea nacional que resenhei para o jornal Rascunho que valoriza as obras do gótico brasileiro, mostrando que há, sim, uma tradição para a escrita das poéticas e estéticas negativas, sombrias e macabras — e como elas não são escapismo, mas dialogam diretamente com o próprio tempo.
O caminho dos reis, de Brandon Sanderson (Ed. Trama)
Calhamaço & saga: duas coisas que eu gosto. Um universo de fantasia que adorei conhecer, com personagens interessantes e intrigas marcantes. Uma pena que o livro tenha tantos probleminhas de revisão.
A autora das sementes de acácia e outras passagens da revista da associação de therolinguística, de Ursula K. Le Guin (Kinobeat)
Conto-Ensaio de Le Guin que emula as publicações de uma revista de therolinguística, ramo da linguística que se preocupa em analisar os traços de comunicação e criação artística feito por aqueles que não são humanos. Tem uma cópia gratuita na internet e o texto é curtíssimo, comentei sobre tudo isso em uma das edições do ano.
Suíte Tóquio, de Giovana Madalosso (Todavia)
Prestes a ser demitida, uma empregada resolve sequestrar a filha do casal que a contratou. Morando na casa em um regime exploratório de trabalho, análogo à escravidão, Maju sente-se como mãe legítima de Cora enquanto Fernanda, mãe biológica, é totalmente dedicada ao trabalho e a uma paixão repentina. Você pode ouvir nosso papo sobre o livro no 30:MIN.
Noite e dia desconhecidos, de Bae Suah (DBA Editora)
Aqui, o som tem sombra. As imagens se repetem. Personagens são duplos. As coisas não fazem muito sentido. Ainda assim, uma das melhores leituras do ano. Diferente de muita coisa por aí. Fez parte da seleção de livros do clube de Leituras Extraordinárias da
e da . (Aliás, ‘O homem da areia’, citado acima, também. Vale a pena ficar de olho na seleção delas, ein?)
Todos juntos (1976-2023), de Vilma Arêas (Fósforo)
Autora nacional que conheci há pouco tempo para uma resenha do jornal Rascunho. Escrita potente, o livro é uma antologia de todas as coletâneas de contos lançada pela autora. Em suas narrativas, mescla ensaio, histórias, memórias e crítica sociais e políticas.
O quarto de Giovanni, de James Baldwin (Cia. das Letras)
Queria resumir esse parágrafo com apenas um “cacete!”. Baldwin, além de carismático e apaixonante, o livro revolve ao redor da paixão entre David, um estadunidense que passa um tempo em Paris esperando a resposta de um pedido de casamento feito à Hella, e Giovanni, um trabalhador italiano precarizado. Baldwin consegue trazer questões sobre as relações de poder na sociedade, captura a interseccionalidade antes que o termo tivesse materializado e constrói personagens belíssimos. Elogiei o livro bastante em um dos episódios do 30:MIN.
Filhos de Sangue e outras histórias, de Octavia E. Butler (Morro Branco)
Coletânea de contos de Octavia Butler que abre com um dos meus contos preferidos, o Filhos de Sangue. O livro é uma coletânea de vários contos dela com dois textos de não-ficção. As narrativas de Butler são sempre um primor que unem Ficção Científica, Biologia e Sociologia. Além disso, me convenceu a começar um diário.
Ordem Vermelha: Filhos da Degeneração & Crianças do Silêncio, de Felipe Castilho (Intrínseca)
Além de me fazer chorar copiosamente no final do livro (sim, você que está lendo. As páginas 401-3 vão acabar com você), o trama me pegou por um tom progressista e otimista: se, geralmente, a fantasia é conservadora e o passado é um ideal perdido, como as Eras de Tolkien que decaem conforme o tempo avança, Castilho traz uma fantasia que vai em direção a um futuro utópico (ou ao menos, melhor do que o passado e o presente) e que passa, obrigatoriamente, pela aniquilação do trabalho alienado, dos poderes tirânicos e pelo fortalecimento da criação artística em suas diversas linguagens: música, dança, costura, arquitetura, pintura, escrita, filosofia, teologia... Ainda vou escrever sobre ele por aqui.
Filmes, Séries & Jogos
Para não soterrar vocês em listas enormes, vou citar brevemente as outras coisas que curti em 2023. Quando for o caso, deixo um link para o que escrevi em algum lugar. Na minha jornada pelo primeiro terço dos filmes do Studio Ghibli, Nausicaä do vale do vento (1984) foi o que mais gostei de ver. Também vi Homem-aranha através do aranhaverso (2023) no cinema. Filmaço. Adoro essa nova onda de animação. Também revi alguns filmes antigos, como A mosca (1986), Stalker (1979) e Bettlejuice (1988), que têm um lugar especial no meu coração. O filme Resistência (2023) é bastante interessante, mas me ganhou mesmo pela reflexão sobre fé & paternidade que fiz.
Das séries, O mundo por Philomena Cunk (2022) é engraçadíssima e coloca em xeque vários pressupostos do pensamento e da historiografia moderna. Falando a real (2023-), série com Jason Segel e Harisson Ford no papéis de psicólogos em crise, é muito bem escrita, sensível e engraçado na medida certa. Fleabag (2016-2019) é genial. A primeira temporada é boa, mas o que a Phoebe Waller-Bridge faz na segunda temporada, na construção do relacionamento entre a Fleabag e o Padre, é sensacional. Sério.
Gostei também da adaptação de One Piece (2023-) feita pela Netflix e a adaptação de Chainsaw Man (2022-). O hibridismo e a estranheza de Planeta dos Abutres (2023-) me conquistou muito e gostei tanto do encerramento que não sei se quero uma segunda temporada?
Entrei na onda do The Last of Us e assisti tanto a série da HBO (2023-) quanto joguei a Parte I (2022) no PlayStation. O mais interessante é ver o conceito de assombrologia aplicado na prática: nem Joel e nem Ellie conseguem se livrar do que o mundo poderia ter sido, do futuro que perderam.
Disco Elysium: Final Cut (2021) e Kentucky Route Zero (2020) são dois ótimos jogos que zerei no começo do ano passado e que, de certa forma, também dialogam com essas temporalidades estranhas. Na leva de jogos, adorei a dublagem e o roteiro de Marvel’s Guardian of the Galaxy (2021) e de Ghost of Tsushima: Director’s Cut (2021). A história de Chained Echoes (2022) também é bem interessante, apesar de pecar em algumas mecânicas. Dredge (2023) entra como melhor jogo de pesca, porque ainda não joguei Dave the Diver (2023). Nos jogos de cartinha, destaque para Wildfrost (2023) e Slay the Spire (2019).
Vem aí, em 2024
É difícil falar de coisas que ainda não saíram e não faço a mais vaga ideia, mas estou interessado na coletânea de contos Coelho Maldito, de Bora Chung, um livro que me parece bastante próximo de A Vegetariana, de Han Kang.
No ano que vem, Monsters, da crítica Claire Dederer, será publicado e fala um pouco sobre o problema que todos nós passamos: ser fã do trabalho de pessoas desprezíveis. Além disso, a Fósforo deve lançar Chain-Gang All-Stars, que Walter Porto na Folha de S.Paulo descreveu como “distopia sobre prisioneiros negros obrigados a lutar como gladiadores contemporâneos”. Fiquei curioso. Além disso, o lançamento do romance de um dos autores que mais gosto de acompanhar, José Falero.
Nas séries, Pinguim é um spin-off do filme do morcego do Pattinson que quero acompanhar. Fallout vai adaptar o universo de um que tenho vontade de conhecer (acho o New Vegas muito feio para aproveitar o jogo e os outros são muito ruins para serem jogados. Espero que a adaptação seja boa). Também estou empolgado para True Detective: Night Country e O problema dos 3 corpos.
Nos cinemas, espero ver Duna: parte 2, a adaptação de Mickey7, o Pobres Criaturas e Bettlejuice 2. Além disso, quero jogar o remake de Brothers: a tale of two sons, The Plucky Squire, Hades 2 e… Spider-Man 2 e Alan Wake 2. Não joguei, então eles ainda são de 2024 para mim.
Obrigado por ler até aqui!
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Outras produções estão disponíveis no Estantário e você pode me ouvir falando de literatura no podcast 30:MIN.
Se quiser conversar, pode responder esse e-mail ou me encontrar no Instagram.
Nos últimos dias, eu:
Participei do episódio: “30:MIN 457 – ‘O som do rugido da onça’ merece o prêmio?”;
Participei do episódio: “30:MIN 458 – O quarto de Giovanni, de James Baldwin”;
Participei do episódio: “30:MIN 459 - As melhores leituras de 2023”;
Participei do episódio: “30:MIN 460 – Por que ler Rita Lee? (com Mara Galvão)”;
Publiquei a resenha: “As linhas de uma escritora ‘meio’ secreta” no jornal Rascunho.
Olá!! Já faz um tempo que estou insatisfeita com minha forma de fazer, guardar e comparar minhas fichas de leitura. Venho usando um documento Word mas não acho prático quando quero, por exemplo, encontrar todas as fichas de livros que trataram de um determinado assunto. Baixei agora o Notion e vou experimentar, talvez seja útil para outras coisas também. Sobre metas para o ano seguinte, eu costumava ter mas tinha que ficar reorganizando elas inúmeras vezes ao longo do ano pq a vida acontece e as prioridades vão mudando. Aí comecei a organizar por semestres. Assim achei que fica mais fácil de não me perder. Sobre rastreamento de hábitos, acho que vai muito do hábito. Eu rastreio religiosamente meus estudos para concursos pra não ficar muito tempo sem ver alguma matéria e manter tudo sempre fresquinho na minha cabeça, então prefiro um calendário mesmo onde eu possa preencher o quadrinho do dia com algumas informações. Agora para hábitos diários onde é necessário apenas assinalar se fez ou não, essas fileiras de quadrinhos são interessantes pois logo conseguimos visualizar estamos conseguindo atingir a meta a curto prazo, cria precedentes para repensarmos como vêm sendo a aquisição desse novo hábito. Enfim, tem muita forma de organizar nossas impressões sobre o conteúdo que a gente consome.
Fascinado com sua organização de anotar tudo na agenda, transcrever, arquivar. Todo começo de ano eu penso que devia tentar anotar as coisas no papel e nunca inauguro os caderninhos vazios que vão se acumulando hahaha! Amei as recomendações. Li bem pouco (fora da internet) ano passado. Basicamente fiquei indo e voltando com "Uma História Secreta", que agora finalmente estou perto de terminar. Vamos ver se me saio melhor esse ano hahaha!