Sobre livrarias “instagramáveis” e o fim da calmaria... e a Amazon
Infelizmente, precisei adiar essa edição em uma semana por diversos contratempos. Mas, não se preocupem: ainda teremos nossas duas edições mensais em Maio. Por isso, sigamos!
Estamos chegando na reta final do que, aos poucos, se tornou uma minissérie sobre livrarias e bibliotecas. Se eu não estiver calculando mal o trajeto que ainda precisamos percorrer, e nem deixando de lado as inquietações de vocês, encerramos o mês de maio junto com a temática.
Nesse penúltimo ponto de parada, vou retomar um ponto da edição passada. Gostei de trazer o relato da Ana Rüsche e seu trajeto de redescoberta da cidade por meio das livrarias, um percurso pessoal e subjetivo pautado pela paixão por livrarias e bibliotecas; por lugares de livros.
Mas, queria falar um pouco sobre a mudança geral nos espaços de venda de livros. Cada um de nós, principalmente se leitores, constrói uma paisagem afetiva com sebos e livrarias que visitamos ao longo da vida — mas não é difícil ver que estamos nos tornando cada vez mais submissos à Amazon e que as livrarias presenciais estão mudando suas formas de existir.
Talvez essa edição tenha ficado menos do jeito que eu gostaria, mas vamos retomar do ponto onde paramos na edição anterior, com o livro de Jorge Carrión, Livrarias: uma história da leitura e de leitores: a criação das vitrines e a efervescência da modernidade que se estruturava na Europa.
Soma-se à discussão um outro livro, também de autoria do autor espanhol, Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros. Jorge Carrión escreve do ponte de vista de um turista que visita lugares de livros e tenta, pelo viés da experiência, valorizar a existência dos espaços pelo viés da percepção de um passado e de certa aura artística.
Não sei se vou conseguir responder as inquietações que tenho aqui dentro, mas organizar e compartilhar pode trazer bons frutos, quem sabe? Claro, antes de começarmos, o recado de sempre: se você gosta da newsletter, não deixe de compartilhar com alguém que pode curtir — e, se você foi uma das pessoas que recebeu o texto de alguém, não deixe de inscrever seu e-mail na página inicial para não perder nenhuma edição.
Você também pode, é claro, checar a campanha de financiamento coletivo rolando no Catarse. Depois da edição passada, enviei a primeira votação oficial de temas possíveis ao apoiador da faixa Cetáceo Patrono e ele já decidiu qual será o primeiro tema depois das livrarias e bibliotecas. Ao que tudo indica, não será uma temporada; mas as bibliotecas e livrarias também não seriam… Se quiser participar das próximas votações e informações de bastidores, é só clicar na campanha e ver os benefícios das faixas de apoio.
Agora sim, aos livros.
Sobre livrarias “instagramáveis” e o fim da calmaria
Na semana passada, antes de acompanhar a escritora e pesquisadora Ana Rüsche pelas livrarias da cidade, vimos Jorge Carrión apresentando a configuração das livrarias até a Revolução Industrial e a exacerbação da vida moderna pelos vidros das vitrines. A partir daí, a estruturação do mercado editorial começou a tomar formas que já conhecemos: grandes cadeias de livros com vendem cópias baratas, acessíveis e/ou padronizadas.
Como explica Carrión, “as livrarias de Londres já tinham se aberto para a rua através de vitrines, cartazes, letreiros e até pregoeiros ou homens-anúncios que convidavam os distraídos transeuntes a entrar”. Com isso, o livro passou a assumir uma postura mercadológica: “começou a anunciar-se nas últimas páginas o restante dos títulos da mesma coleção ou da mesma editora; as capas padronizaram seu projeto para reforçar a identidade do selo e incorporaram o progresso da ilustração”, escreveu. Soma-se a isso a criação das edições de bolso, das coleções de um franco, do preço colado à capa, das caixas de saldão…. familiar, não?
O trem é um símbolo-chave nesse processo. Em primeiro lugar, porque muitas questões foram cristalizadas pelo sucesso de livrarias construídas nas estações, espaços que se logo se tornariam cadeias de venda, e pela popularização de seus livros de viagem.
Mas, além disso, o trem se tornou um marco simbólico de uma das grandes mudanças do século XIX: a mobilidade e a diferença na percepção do tempo e do espaço. A existência do trem, naquela época, não era só a de um meio de transportem, mas a aceleração da vida humana, a possibilidade de um mundo conectado.
(Desviando um pouco do assunto, a questão da percepção do tempo e do espaço me parece bem representada na primeira temporada do podcast Vinte Mil Léguas, que leem cientistas como escritores. A temporada de inauguração trata de Charles Darwin e os primeiros episódios falam de como a nova percepção do tempo foi fundamental para a criação das teorias darwinianas)
Quando essa maneira de projetar o mundo se espelha na forma como consumimos a cultura — e claro, consumir, certo? — seguimos em um fluxo frenético que nos deixa na metade do século XX, quando o projeto moderno & capitalista resultou na produção de grandes cadeias de livros, que sufocaram diversas livrarias de bairro e que funcionavam sob um ritmo acelerado de consumo sob padrão da cultua de massa americana.
Nessa paisagem, o shopping center aparece como um novo espaço simbólico. Ali, os produtos se amontoam em diversos setores especializados: livros, CDs, DVDs, jogos, cafés, cadernos, lembrancinhas. Isso não se restringe às lojas que estão dentro dos shoppings, mas também nas lojas que absorvem essa organização. Nesse esquema, a imagem da Fnac aparece com força para mim: apesar da fama pelos livros, o andar da livraria era só mais um entre tantos outros que vendiam eletrônicos, câmeras e diversas coisas.
É sintomático do momento que eu pense justamente numa das diversas redes que não atuam mais em solo brasileiro. Hoje, vivemos outro paradigma para as vendas. Hoje, o neoliberalismo trata de experiências, dados, usuários. Alguns clubes de leitura voltaram com força porque apostaram nessa chave — a TAG, por exemplo, vende a experiência de um clube de leitura e seu nome no Instagram é TAG – Experiências Literárias.
Assim, alguns dos espaços físicos começaram a apostar no fator instagramável, ser atraente ou ser uma grande obra arquitetônica. Em solo nacional, penso que não chegamos nesse espaço. Com a rasteira dada pela quebra das grandes cadeias de livro, principalmente a Saraiva e a Livraria Cultura, editoras e espaços físicos ainda estão tentando se organizar.
Mas é possível ver o mesmo efeito em museus e outras curadorias. Um exemplo que me parece recente é a exposição A Tensão, de Leandro Erlich (e é nisso que o vídeo promocional aposta). Creio que as bibliotecas recém-reformadas também não escapam dessa lógica. Em Livrarias, Carrión descreve esse processo da seguinte forma:
Na circulação global da imagem, o continente é muito mais relevante do que o conteúdo. O pitoresco é mais importante do que o idioma que leva à leitura. O divórcio entre a comunidade de leitores que permite a existência da biblioteca, por um lado, e a dos turistas que a visitam apenas ocasionalmente para fotografá-la, por outro, constitui uma das características fundamentais da livraria do século XXI. Porque até agora a livraria se tornava atração turística quando se avaliava sua referência histórica e sua condição pitoresca; mas nos últimos anos o compromisso arquitetônico, sua capacidade de sedução midiática, quase sempre vinculada à grandeza e ao excesso, se tornaram um rótulo talvez mais decisivo do que os dois tradicionais.
Claro, não é só a valorização do espaço, do turismo e da busca pelas imagens perfeitas nas redes sociais que desestabilizou o mercado editorial. É uma série de fatores que converge na desestruturação de um cenário complexo e de forma geral. As livrarias são uma fração que está sentindo a chegada de um “novo” estado da arte capitalista. Por isso, precisamos falar de uma força maior: a Amazon.
Contra Amazon
Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros foi publicado pela Editora Elefante em 2021. A obra surgiu de um artigo escrito por Carrión, intitulado Contra Amazon: Sete razões / Um manisfeto. Em 2018, o artigo rodou o mundo, com tradução para diversos idiomas (por aqui, o texto saiu na Folha de S.Paulo). De maneira sintética, os pontos de Carrión são:
Não ser cúmplice da expropriação simbólica. “A Amazon não é uma livraria; é um hipermercado” e, por isso, que tratam os livros como mercadorias e tiram dele a aura de livros;
Ser contra a supressão de trabalhadores humanos por robôs e também contra a predominância dos algoritmos em relação ao gosto estético Carrión escreve que “na Amazon, não existem livreiros. A indicação humana foi eliminada por falta de eficiência. (…) O algoritmo é o ápice da fluidez”;
Por repudiar a hipocrisia de uma empresa que se diz contra a censura, mas que silencia livros em privilégio de outros;
Não ser cúmplice de um neoimpério, mas não só da Amazon. Carrión aponta que “as três empresas [Google, Facebook e Amazon] compartilham o mesmo anseio imperialista de conquistar o planeta, defendendo o acesso ilimitado à informação, à comunicação e aos bens de consumo, ao mesmo tempo que fazem seus funcionários assinar contratos de confidencialidade, elaboram complexas estratégias para não pagar impostos nos países onde se instalam e constroem um estado paralelo, transversal, global, com as próprias regras e leis, burocracia e hierarquia, e também os próprios policias”;
Não quer ter suas notas e impressões espionadas enquanto lê, não quer alimentar um determinado algoritmo de gostos e tampouco tornar pública uma experiência pessoal: “a grande vantagem do livro em papel não é a portabilidade, a duração, a autonomia, nem a relação íntima com nossos processos de memória e aprendizagem. É a desconexão permanente”, escreve;
Por defender um consumo lento, em que o desejo é alimentado e não silenciado — ou seja, um lugar em que o desejo se valoriza. Carrión defende a lentidão e a espera como necessária para valorizar desejos e vontades, até para sentir se são reais. Para o escritor espanhol, “o desejo não pode ser imediatamente saciado, porque então deixa de ser desejo, transforma-se em nada”;
Por fim, por não ser ingênuo e saber que é praticamente impossível não depender da Amazon em algum serviço, já que é uma empresa que atua em várias frentes.
A questão é complexa, claro. Não é simples pensar em como lidar com uma empresa do porte da Amazon, mas me parece que buscar a essência de uma experiência que carrega uma certa aura pode não ser o caminho certo. Sinto que a visualização das livrarias envolta numa aura saudosista, em que o livro é um objeto sagrado e valoroso, parece oferecer poucas ou nenhuma proposta de resistência e subversão contra um modelo tão predatório e agressivo —transforma em fetiche e em exigências de um público alvo aquilo que seria de oposição ou subversivo.
Por outro lado, Carrión dá esses pareceres em um livro de viagens; uma espécie de reflexo do próprio diagnóstico de livrarias habitadas por turistas. Em uma das conversas com Uva Costriúba, designer e produtora gráfica que já apareceu por aqui, ouvi que o livro fica melhor quando fala de bibliotecas ao invés das livrarias.
Penso que a razão para a impressão é que, ao falar as bibliotecas, Jorge Carrión não apenas faz um retrato do momento atual, mas valoriza as potencialidades desse espaço público e como elas têm abraçado inovações e inclusões nos últimos anos. Por exemplo, Carrión mostra como a espetacularidade se confunde com excelência naquelas listas de melhores livrarias e bibliotecas no mundo.
“Como as listas das melhores livrarias do mundo, as de bibliotecas costumam confundir a espetacularidade com a excelência. O dinheiro pode pagar pela estrutura física, mas é mais difícil comprar a estrutura emocional”, escreveu o escritor. Isso porque “as melhores bibliotecas do mundo talvez não estejam alojadas em edifícios impactantes, não tenham impressoras 3D nem apareçam nos telejornais, mas, sem dúvida, estão fazendo um trabalho pelas suas comunidades comparável ou melhor que o feito nas bibliotecas nórdicas”.
Jorge apresenta um cenário otimista em relação as bibliotecas públicas, sejam elas fixas ou móveis: a alfabetização cresce, a criminalidade cai, surgem espaços para diálogo e a imaginação é permeada por futuros possíveis. Gosto da maneira com que Carrión pontua que “as bibliotecas não são edifícios, são pessoas”. Por muito tempo, como já vimos na entrevista com a Uva, as bibliotecas foram espaços passivos e silenciosos — uma aura de autoridade. Hoje, as pessoas-bibliotecas se tornaram mais dinâmicas e performativas, ocuparam os espaços com clubes e leituras em voz alta.
Ao lado desses retratos de incentivo à leitura, de criação de comunidades e ocupação de espaços públicos, é difícil se entusiasmar com os relatos das viagens e os retratos das livrarias. Carrión lança mão de descrições bibliófilas. Algumas vezes, reflete sobre a “defesa das livrarias como templos emocionais”. Em outras, apresenta romantiza a figura dos “velhos livreiros” que “assumem o bastão” da arte de vender livros e de guardá-los todos na memória.
Dentro dessas paisagens afetivas da figura do livreiro que ele tece, creio que duas considerações aparecem com mais força: a do fator humano em relação à construção de diálogos e conhecimentos e a das livrarias de bairro.
O primeiro ponto é um aprofundamento do ponto contra os algoritmos, destacado acima. É certo que os algoritmos alcançaram um status de autoridade dentro das organizações tecnológicas, principalmente pela capacidade de processamento de um grande volume de dados.
O TikTok é um bom exemplo: a rede só passa a fazer sentido quando o algoritmo aprende os seus gostos e aperfeiçoa a linha do tempo de acordo com o que você gosta. Nos primeiros dias em que usei a rede, vi incontáveis vídeos de gatinho (e não me arrependo). A discussão não é nova — inclusive, já saiu do espaço dos especialistas, visto na popularidade do documentário O dilema das redes.
Mas é importante ressaltar que a nossa cabeça é uma maquina de produzir conversas, traçar linhas e relações antes inexistentes ou inexploradas. Por isso, Carrión diz que “não é possível — ainda — ganhar dela [da mente humana] na geração de contextos. Sistemas complexos. Planetários”. A livraria é apenas um dos lugares onde se é possível visualizar fisicamente esses diálogos.
Por fim, o outro ponto está em consonância com o que disse Ana Rüsche: a importância das livrarias independentes e a maneira como elas se tornam importantes para uma determinada comunidade. Carrión descreve que:
“Nos Estados Unidos, está se demonstrando que somente as livrarias independentes, com raízes em um bairro, podem fazer frente a essa competição [pelo comércio de livro e contra a Amazon] — como centros emocionais, culturais, como centros de distribuição de livros para todos que preferem continuar comprando presencialmente”.
Na edição passada, Ana apresentou um retrato bastante completo com suas impressões enquanto leitora e escritora. Hoje, podemos complementar a visão por aqueles que vivem essa situação do outro lado do balcão: os livreiros.
Do outro lado do balcão
Um dos pontos altos de Contra Amazon é o material de apoio na parte final do livro. A seleção feita na edição brasileira reúne relatos de diversos livreiros do mercado nacional — que lidavam não só com os problemas financeiros já citados, mas também com uma pandemia.
Essa parte do livro se abre com um texto de Ursula K. Le Guin. Ali, a escritora de Ficção Científica comenta que a única desavença que tem com a Amazon é em “relação a maneira como vendem livros e como usam seu sucesso comercial para controlar não apenas a venda, mas também a publicação de livros: ou seja, o que escrevemos e o que lemos”.
Esse estabelecimento que ela pontua de um controle do fluxo literário é básico e segue uma premissa lógica simples: “você não pode comprar e ler um livro que deixou de ser impresso”. Ao controlar o mercado pelo viés mercadológico, você prioriza as edições com maior potencial de venda (e, se possível descartável, para que o próximo sucesso seja viabilizado).
Dessa forma, “as livrarias independentes, que eram e são o ambiente natural dos livros que não são os mais vendidos, estão falindo — primeiro, por causa das redes que operavam como parte da indústria dos mais vendidos, e, agora, indubitavelmente, pela Amazon”. Por isso, é importante visualizar esse cenário pelo ponto de vista de quem está no olho do furacão.
Separei trechos de alguns relatos que me chamaram a atenção. O primeiro deles é do Ricardo Lombardi (vídeo acima), do Desculpa a Poeira. O relato dele envolve a relação entre livreiros e leitores contra as indicações automatizadas, como já dito acima. Separei o relato porque, a história é interessante e deixa claro o que queria dizer: um homem entra em seu sebo, procurando inspirações para escrever votos de casamento, e ele indica uma série de livros possíveis. “Os algoritmos da Amazon ficariam devendo uma resposta para esse cliente”, escreve Lombardi, “pois a internet é um bom lugar para procurar algo que você já sabe o que é”.
Outro trecho que eu destacaria é de Caue Seignemartin Ameni, editor da Autonomia Literária e um dos responsáveis pela livraria móvel Rizoma. O relato é bastante pautado pelo viés do momento pandêmico em que foi escrito, mas apresenta algo presente em todas as relações desse novo padrão neoliberal que apresentamos acima.
Caue fala sobre shoppings e a Amazon para chegar em uma mesma problematização sobre o capital improdutivo: “O que o shopping tem a ver com um livro sobre a Amazon? O shopping é um marketplace assim como a Amazon, só que, enquanto um é físico, o outro é virtual. Ambos são intermediadores e não produzem nada, mas lucram com a produção e as vendas alheias”, escreve ele.
O diagnóstico é tão ruim quanto aqueles de entregadores e a relação precária disponibilizada pelo iFood. Caue escreve que “o capital improdutivo, além de estar lucrando nesse cenário distópico, é um dos principais responsáveis pela atual crise do mercado do livro” — e é uma triste verdade. O mercado imobiliário pouco se importa com a saúde do mercado editorial.
“Não nos enganemos: as livrarias são centro culturais, mitos, espaços para conversas, debates, amizades e até mesmo para assuntos de amor, causados em parte por sua parafernália pseudorromântica, muitas vezes liderada por leitores artesãos que amam seu trabalho, e até mesmo por intelectuais e editores e escritores que conhecem parte da história da cultura; mas antes de tudo são negócio. E seus proprietários, muitas vezes, livreiros carismáticos, mas também são chefes” — Jorge Carrión, ‘Livrarias’.
Por isso, na linha que Caue propõe, sobre possíveis resistência (no caso dele, adotando o nomadismo), destaco mais duas falas. A primeira é de Alex Januário e Marcelo Finatelli, da Loplop Livros. Para eles, pensar a livraria independente não é só uma resistência, um empreendimento corajoso de investidores sagazes. Para eles, “envolve uma discussão profunda sobre o fazer ‘independente’, com toda carga estética, política e combativa que uma livraria pode adotar, mesmo em suas ações mais espontâneas”.
Em sintonia com a fala de Alex e Marcelo, aparecem Adalberto Ribeiro e Felipe Roth Faya, da Livraria Simples. No texto, eles comentam como “promover conexões entre pessoas e livros se trata de construir uma ponte entre o cotidiano extenuante da cidade e o mundo maravilhoso da leitura”.
Para uma livraria de bairro, “o pertencimento comunitário” e a “sustentabilidade” apareceriam como fatores-chave, de acordo com Adalberto e Felipe, mas “a pergunta sem resposta das livrarias daqui (…) é como uma livraria pode se sustentar economicamente num país de tão baixa aderência à leitura e, ao mesmo tempo, tão afeito à ideia de capitalismo selvagem”. Por isso, a discussão das livrarias “é, acima de tudo, uma discussão sobre mundos possíveis”.
Acho esse um importante questionamento. Porque é preciso entender o livro como uma mercadoria, sim. Não apenas lamentar por uma aura perdida, mas visualizar o possível dentre os mundos possíveis. Para habitar um espaço, é preciso conhecer o estado da arte dali, saber por onde caminhar.
Por isso, as livrarias não vão perder o espaço que tem. São locais que não podem ser ocupados por outras formas e que, de um jeito ou de outro, estão aprendendo a caminhar pelos novos tempos — e os livros e livrarias, assim como bibliotecas, também são pessoas, são cristalizações de visão de mundo e projetos. Mas queria encerrar com uma inquietação que aparece quando penso em livrarias.
Ao pensar em livrarias, estamos procurando maneiras de consumir melhor ou de ler melhor? Penso que são coisas que andam próximas, mas apontam para caminhos diferentes. Lembro de quando li um dos textos do Nestor García Canclini, chamado Quanto ou como se lê? Refazer as perguntas (publicado no Observatório Itaú Cultural #17), e o que me chamou a atenção foi a perspectiva que ele deu ao âmbito da leitura.
Ali, ele defendeu como os índices de leituras medido por leituras anuais e consumo de livro não diz o bastante sobre a qualidade e a quantidade de leitura que fazemos. Passamos o dia lendo nas telas, aplicativos, redes sociais. Lemos manchetes, textos, e-mails, mensagem. Quanto uma pesquisa sobre a quantidade de livros pode dizer sobre nossas leituras?
Essa questão me parece ligada à questão das livrarias, ainda que eu precise refinar melhor essas relações. Me parece importante que as discussões sobre livrarias e mundos possíveis não ignorem as relações de mundos desejáveis — numa utopia, jamais colocaria um comércio como algo a ser valorizado.
Além disso, me parece que o Adalberto e Felipe apontaram outra questão: a educação das pessoas. Talvez por isso Uva prefira a luta das bibliotecas às das livrarias. Quanto se trata de formação de comunidades, alfabetização, letramento ou hábitos de leitura, é o espaço público que sai (ou deveria, se estamos falando de quais mundos possíveis queremos) na frente, porque a luta da leitura como hábito; da literatura enquanto linguagem; do livro enquanto formato; e da livraria enquanto espaço de comércio são lutas muito próximas, mas diferentes.
É preciso visualizar por qual fim se luta — e, pessoalmente, tenho dificuldades em visualizar fronteiras.
Obrigado por ler até aqui!
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