Temporada 01 - Episódio 06: Cultivando & coletando cogumelos
Cogumelos não são ingredientes muito encontrados na cozinha da minha família. Eu via shitakes. Às vezes, um cogumelo de Paris. Raramente, um shimeji na manteiga quando saia para comer. Então, quando comecei a estudar cogumelos, pensei: o que mais posso fazer?
Para mim, começar a cozinhar cogumelos não foi muito fácil. Achei um material escasso e pouco variado — impressão que pode ter surgido de uma incompetência minha; ou de uma ansiedade para aprender mais coisas no menor tempo possível.
Mas encontrei um caminho que, bom… é só começar com a Rita Lobo. Em Tudo sobre cogumelos, O que tem na geladeira? Cogumelo! e O que Rita Lobo faria com… cogumelos? descobri processos de limpeza, a natureza dos ingredientes e receitas variadas. Foi o pontapé que eu precisava para começar a arriscar.
Recentemente, uma amiga me enviou a edição Fungos, fungos, fungos da newsletter escrita pela Carolina Dini. No texto, Carolina escreveu um pouco sobre a relação dela com os cogumelos, suas vivências, leituras e reflexões. Ela diz:
Eu nasci no sudeste mineiro, onde a Mata Atlântica domina. Mas, infelizmente, mesmo na época das chuvas, nas feirinhas e supermercados geralmente só encontro a tríade suprema paris-portobello-shimeji. Quando muito, aparece o cogumelo eryngui, hiratake ou o shiitake. Segundo as pessoas com quem conversei no Twitter, essa repetição se mantém em outras cidades do Brasil
O consumo definitivamente não é acessível para todos e também não é tão difundido, apesar da biodiversidade brasileira. (…) Alguns produtores de fungos já me responderam que não cultivam outras espécies por falta de interesse dos clientes ou impossibilidade climática. Apesar de todos esses fatores impeditivos, eles sentem que os cogumelos estão se tornando cada dia mais populares, até em razão do cultivo - e o interesse das pessoas - estar aumentando a olhos vistos.
Carolina também comenta sobre o episódio Agroecologia com Alene de Godoy, do podcast Outras Mamas. Alene tem um perfil no Instagram chamado @afroecologica em que conta suas experiências com agricultura, campesinato e os percalços para cultivar alimentos num cenário tomado pelo agronegócio.
No perfil de Alene, é possível supor que os cogumelos surgiram e se instalaram na sua rotina com o mesmo fascínio e curiosidade que vejo nos relatos de outros micófilos (assim como é possível que eu esteja projetando essas impressões).
Mas o que quero citar dessa conversa é o relato de infância de Alene, do momento em que ela descreve momentos de alimentação precária na infância e, morando do lado de um local onde brotavam vários cogumelos, nem imaginava o potencial gastronômico daqueles seres.
Talvez aqueles cogumelos não fossem comestíveis, mas a impossibilidade da tentativa me parece o ponto mais importante desse relato. Da mesma forma que saberes antigos sobre as possibilidades de consumo dos cogumelos silvestres nascidos do solo nacional me pareciam adormecidos. Por isso, a experiência de ganhar uma caixa de cogumelos para cultivar em casa me fez querer entender um pouco mais.
(Aliás, a amiga que me enviou o texto da Carolina Dini foi a Nila Maria. Ela também tem uma newsletter mensal sobre assuntos gastronômicos, a Orgânico. Quem curtir o assunto, pode conferir.)
T01 E06: Cultivando & Coletando Cogumelos
No fim do mês passado, a revista Trip publicou uma matéria escrita pela jornalista Thaís Schio chamada FANCs — fungos alimentícios não convencionais: Caçar seus próprios cogumelos é uma realidade mais próxima do que parece. A matéria, bem curta, me fez procurar Thaís para saber se tinha uma versão expandida em algum lugar. Não tinha. Em compensação, ela foi muito generosa e compartilhou comigo alguns materiais. Então fica meu agradecimento!
A primeira das coisas que a Thaís me mostrou foi que Ana Amopö: Cogumelos Yanomami: Enciclopédia dos Alimentos Yanomami (Sanöma), aquele livro dos cogumelos na cultura Yanomami citado na edição dos Cogumelos no Brasil, estava disponível gratuitamente.
O prefácio do livro é escrito por Davi Kopenawa, xamã e escritor yanomami, coautor do livro A Queda do Céu. No texto, Davi fala sobre as relações ancestrais com os fungos e, também, das formas de cultivo e coleta.
Desde tempos imemoriais os nossos ancestrais comiam cogumelos, principalmente quando eles não encontravam caça. Quando não encontravam caça e os cogumelos estavam nascendo, os antigos os coletavam e comiam com bananas e beiju. Assim faziam os antigos, e assim fazemos ainda hoje. Eu mesmo, quando não encontro caça, quando estou andando pela floresta e vejo os cogumelos, eu os coleto, embrulho em folhas e faço um pacote para assar na brasa. Assim como os antigos comiam, nós continuamos comendo os alimentos da floresta.
As formas de preparo desse cogumelo são, principalmente, duas: cozinhar na água em um caldo ou embrulhar os cogumelos em folhas e assá-los diretos da brasa. Davi conta que “os cogumelos nascem na floresta em determinadas luas (meses), principalmente quando chove. Os Sanöma, depois de derrubarem as árvores para fazer a roça de mandioca, queimam e plantam. Depois de plantar, quando a roça está crescendo, quando chove, os cogumelos crescem”.
Nelson Menolli Junior também é um dos vários autores que contribuíram para a escrita livro e, durante um evento chamado MycoTalk em uma mesa sobre Fungos Alimentícios Não Convencionais, comentou sobre como a incidência e o cultivo de cogumelo no Brasil estava intensamente relacionado ao ciclo do cultivo de mandioca.
O livro descreve de maneira bem clara essa relação: as roças são usadas durante três ou quatro anos e depois são abandonadas, transformadas em capoeiras. A grande quantidade de madeira em decomposição se torna um espaço propício para o crescimento de cogumelos — mas o consumo deles é complementado pelas espécies encontradas nas florestas, fonte de coleta de quase todas as espécies consumidas.
Curiosamente, a coleta nesses espaços também sofre um curioso recorte de gênero. “Na maioria das vezes são as mulheres mais velhas que pegam cogumelos quando vão para a roça” e “os homens pegam cogumelos geralmente quando vão caçar na floresta”, conforme descrito no primeiro capítulo.
O ciclo dessa coleta também sofre uma interferência sazonal: entre outubro e março, com as poucas chuvas do verão, os cogumelos aparecem em menor quantidade e logo ficam ressecados; no inverno, entre abril e setembro, os cogumelos podem ser colhidos até três dias depois de nascer — depois, apodrecem.
Coletando…
Uma das pessoas com quem conversei foi Jeferson Müller Timm. Gaúcho, ele é responsável pelo projeto Primavera Fungi — Guia de Fungos do Sul do Brasil, um livro dedicado a ensinar sobre as diversas espécies de fungos silvestres, com imagens e informações sobre comestibilidade, locais de ocorrência e épocas do ano.
Jeferson me conta que, quando começou a estudar, não tinha um livro como esse no Brasil: o material era escasso, geralmente em preto e branco, com poucas espécies, ou artigos científicos que eram só a descrição, sem imagens. Às vezes, um desenho. Por isso, quando iniciou o projeto, sua ideia era reproduzir os guias de identificação disponíveis no exterior, geralmente na Itália, Espanha ou Estados Unidos.
Para a primeira edição do livro, fez uma campanha para arrecadar o dinheiro. Agora, Jeferson percebeu um potencial de engajamento e formação de rede e resolveu ampliar as projeções para a segunda edição. Dessa vez, a meta não é só lançar uma segunda edição revista e ampliada (com mais 30 espécies e receitas), mas auxiliar os interessados.
Como metas ampliadas, ele quer publicar um ebook de distribuição gratuita para formação de público e, também, financiar um canal de videoaulas com convidados. Elas serão gratuitas e ficarão disponibilizadas no YouTube. O financiamento do projeto acaba depois de amanhã, então confira aqui (inclusive, tem um jogo de Super Trunfo com fungos brasileiros).
Pergunto para Jeferson sobre como funciona essa manutenção do saber tradicional do consumo de cogumelos na região em que ele trabalha. “No Brasil, não temos muito esse conhecimento tradicional”, ele me diz. “Algumas tribos indígenas usam algumas espécies de cogumelo, mas são quantidades muito menores do que se coleta na Europa, por exemplo”. Além disso, soma-se à equação o fato de os cogumelos mais explorados no Rio Grande do Sul serem exóticos, devido ao potencial econômico. “Então estamos usando um saber que não é nacional, vamos dizer assim. Essa cultura de caça ao cogumelos é muito forte em alguns países. Eu já citei a Itália, Rússia, toda essa região. Lá, a galera coleta mais cogumelos e os usa há muito tempo”.
Mas é um cenário que vem mudando. Jeferson diz que tem sentido uma mudança mais significativa nos últimos três ou quatro anos no interesse do público em caçar cogumelos. “Temos levado pessoas para as florestas, porque geralmente elas não enxergam os cogumelos. Por isso, ensinamos a identificar e, com isso, também criamos uma espécie de proteção ao reino dos fungos”
Ele me explica que o conhecimento e uso dos fungos auxilia na preservação do ecossistema, além da possibilidade de gerar renda pelas possibilidades de extrativismo sustentável, turismo ecológico e agricultura familiar. Os fungos nacionais também entram nessa equação.
“Estamos desenvolvendo essa cultura de cogumelos no Brasil com espécies exóticas, mas também valorizando os cogumelos nativos, que são os da Mata Atlântica. Eles têm um potencial muito maior para cultivar do que recolher da natureza”, me explicou Jeferson. Primeiro, porque são mais fáceis de serem coletados e isolados para o cultivo. Além disso, já se encontram no ambiente com temperaturas propícias, já que não são de outras regiões. O isolamento para o cultivo também permite a preservação genética das espécies.
Nelson Menolli, durante a mesa do MycoTalk que citei acima, traz dados interessantes que dialogam com a fala do Jeferson. Em um panorama, ele mostra a quantidade de fungos conhecidos atualmente que produzem cogumelos e chega a um número de duas mil espécies comestíveis conhecidas. No entanto, estudos mostram que as cultivadas para consumo estão entre 100 e 350, dependendo da pesquisa utilizada.
O mercado mundial consome basicamente as mesmas espécies: shiitake, shimeji, paris (ou champignon) e cogumelos do gênero auricularia, muito utilizados nas culinária asiática. Mas Nelson tem uma perspectiva otimista sobre a possibilidade de inserção de outras espécies. Ele traz recortes que indicam que, até 35 anos atrás, o shimeji chegou por aqui e quase ninguém consumia. Quem sabe, daqui algumas décadas não vemos o mesmo movimento.
“Vai demorar pra gente ver cogumelo silvestre nos mercados”, me diz Jeferson, “mas a gente já tem o Funghi Secchi, que é um cogumelo silvestre que vem do Chile. Lá tem cooperativas de catadores que coletam, processam e mandam para o Brasil e para outros países. Isso a gente pode desenvolver na região”.
Fiquei curioso para saber se haveria uma competição entre essas espécies cultivadas e exóticas e os cogumelos silvestres, o que poderia dificultar a inserção dos produtos nos nossos hábitos alimentares, mas não. Jeferson explica que eles são produtos diferentes e atendem mercados diferentes.
“O silvestre é muito mais pontual, talvez em condição de iguaria, diferente dos cultivados, que têm um mercado mais frequente”. É mais provável que a questão cultural e de rejeição ao cogumelo cause mais problemas. “Tem gente que não come de jeito nenhum, mas precisamos trabalhar isso. Saber que dá para comer e saber preparar, para não prepararem e comerem algo ruim”.
Nesse processo educativo, existe também a possibilidade de cultivar o próprio cogumelo.
Cultivando…
De aniversário, ganhei duas caixinha de cultivo de um amigo meu, o Igor. No domingo, alguns dias antes de completar meus 27 anos, recebi duas embalagens com substratos para Shimeji Branco e Shimeji Salmão. Eu já tinha visto cultivo de cogumelo em alguns vídeos de time lapse, em que as pessoas cortam o saquinho, umedecem e vemos uma semana em 30 segundos.
Encontrei um lugar propício: iluminado, sem vento ou sol direto. Cortei o plástico, enchi as garrafinhas e borrifei a água necessária (várias vezes ao dia) e acompanhei o crescimento. Olha… é uma coisa complicada. O crescimento é bem rápido, realmente. Mas a aparência deles nos primeiros dias é muito estranha — principalmente porque não estamos acostumados a ver cogumelos crescendo por aí.
Não consegui deixar de pensar na semelhança com um bolor tridimensional. Mas logo passou. No segundo ou terceiro dia, ele já tinha um pequeno caule e um minichapéu. Depois…POFT! Na virada da noite, os cogumelos ficaram enormes de maneira surpreendente. Principalmente o branco. O salmão cresceu de forma mais regular e com uma aparência mais próxima ao que vemos nos mercados. Fiz uma postagem no Instagram, para quem quiser conferir.
Quis entender um pouco mais de como funcionava esse cultivo do cogumelo e encontrei a Amuscaria Fungi, um espaço organizado para as diferentes formas de fungicultura — seja em casa, ou com cursos, oficinas e consultorias. Entrevistei a Camilla Tassia Pedri e o Hemerson Ferreira Martins, idealizadores do projeto, para entender um pouco mais.
Camilla me diz que é complicado demarcar o início desse projeto. “Eu e Hemerson estamos juntos há 17 anos, e nossa primeira conversa foi sobre cogumelos”, ela me conta. Eles moravam em Curitiba, mas o sonho era morar em uma área rural — fugir do ritmo da cidade para aumentar o contato com o meio ambiente e a qualidade de vida.
Essa possibilidade apareceu em 2010, quando receberam um convite para trabalhar em Tijucas do Sul, no Paraná, e foram recepcionados por uma floresta cheia de Amanitas Muscaria, a famosa espécie vermelha com bolinhas brancas. “Viemos morar onde era uma granja, mas construímos um espaço para a construção de cogumelo e faz 11 anos que estamos nessa”.
“Tivemos que tocar tudo praticamente sozinhos, em tentativa e erro”, me diz Hemerson. “Você não tinha informação. A gente recorreu a vários órgãos, mas mesmo as pessoas que eram técnicas, tinham poucas informações. As pessoas dominavam só o cultivo de um cogumelo específico e não tinham portas abertas para cursos”. A solução que ofereciam para eles era cursos no exterior, mas resolveram tentar por aqui.
No princípio, a ideia não era fazer uma produção contínua, mas entender o funcionamento dos fungos — e cultivar psilocybe cubensis, os conhecidos “cogumelos mágicos” (e não se preocupem, vamos falar deles com mais calma no próximo episódio). “Ver o fungo se desenvolvendo me mudou totalmente, abriu os olhos para um mundo micro que estava ali o tempo inteiro”, me conta Hemerson. Foi o pontapé.
Eles foram bastante autodidatas. Compraram livros técnicos de diversos campos e experimentaram as diversas possibilidades de desenvolvimentos fúngicos. “Nossso local também é bastante privilegiado por ter vários ambientes: florestas, banhado, bosque. Isso permite a gente a acompanhar a vida e desenvolvimento de vários fungos”, Hemerson me explica, “além disso, temos as estações do ano muito bem definidas. Por isso, começamos a entender que existem condições e técnicas específicas para você conseguir frutificar um cogumelo, como temperatura, umidade e oxigenação”.
Pela dificuldade de achar um caminho para começar, Hemerson ia até o mercado, comprava uma bandeja de shiitake e fazia testes. A página Cogumelos Hobby, de Wilson Bastazini, foi importante no processo de aprendizagem (o site ainda está no ar e sua diagramação diz bastante sobre a época em que foi feito). Eles começaram a comprar as culturas para cultivo e, de tanto experimentar, notaram um padrão.
O que eles aprenderam é que a produção de cogumelos basicamente envolve processos comuns: você tem um processo de produção de substrato; a pasteurização ou esterilização desse substrato; depois, a contaminação desse espaço com o fungo cultivado; e aí a incubação e frutificação.
A partir daí, cada espécie tem suas especificidades e necessidades. Em primeiro lugar, o alimento disponível no substrato. No caso de fungos que são decompositores primários, como os que nascem em troncos de madeira, é preciso ter serragem. No caso dos cogumelos que nascem no solo, em campos ou pastagens, é possível fazer um substrato com palha de arroz e esterco.
Mas cada espécie tem necessidades próprias. Por exemplo, as temperaturas ideais para frutificação variam. Hemerson me diz que também descobriram recentemente que algumas espécies têm um tempo maior de incubação — o tempo entre a colocação do fungo no substrato e sua devida colonização. “O que aconteceu com o Frango da Floresta mudou algumas perspectivas. A frutificação dele é muito mais lenta”, eles me contam. “Ele precisa de um processo maior de incubação, metabolismo de degradação diferente. Temos um substrato que demorou um ano e meio para frutificar”.
Durante o papo, fiquei refletindo sobre as deformações de coloração e estrutura do meu cogumelo shimeji branco. Suponho que não tive uma condição adequada de iluminação e temperatura — mas foram adequadas para o shimeji salmão, que cresceu normalmente.
“Como nossa paixão era pelos fungos, não queríamos nos basear só nessas espécies comerciais”, me disse Camilla, “e por isso fomos testando outras espécies que, na época, não eram comerciais” (inclusive, Camilla me contou um pouco sobre as tentativas de aproveitar um cogumelo em diversas frentes. Falamos sobre a tinta do Coprinus e estamparia fúngica, mas que ficarão para a próxima edição).
“Por isso, a importância da parceria da Primavera Fungi: juntar especialistas e fazer crescer a fungicultura no Brasil, sem precisar sugerir cursos no exterior”, me diz Hemerson. “Na Amuscaria Fungi, já produzimos espécies medicinais com algumas espécies nativas do sul. Queremos educar de forma segura, quebrar mitos e trazer mais clareza sobre essas informações. O conhecimento tem que ser compartilhado, a gente tem que ajudar os pequenos produtores e se envolver com agricultura familiar”.
Para quem quiser começar
Se você estiver querendo começar a coletar cogumelos, é importante destacar uma proporção que surgiu da fala do Nelson na palestra sobre FANCS no MycoTalk. De acordo com a quantidade de espécies identificadas que produzem cogumelos, e aqueles que são efetivamente comestíveis, você tem 90% de chance de errar se tentar comer um cogumelo desconhecido. Afinal, quem nunca ouviu a frase “todo cogumelo é comestível, mas alguns só uma vez”?
Temos pouca divulgação do conhecimento desses cogumelos e, também, pouca aceitação dele em outras formas além do chapéu e caule. Nelson divulgou um guia que encontrou no WikiHow de Como diferenciar cogumelos comestíveis e refutou todas as dicas com exemplos de espécies que podem parecer venenosas, mas são comestíveis — e vice-versa.
Por isso, para quem quiser coletar, Jeferson dá dicas. O primeiro passo é fazer cursos e estudar. Identificar cogumelos é mais difícil do que identificar plantas, já que algumas características são microscópicas. “O que a gente tem feito é escolher um grupo que é fácil de identificar sem a microscopia e ensinamos as pessoas a identificar essas espécies”, me diz Jeferson.
Para identificar uma espécie, todas as características são importantes: formato do chapéu e do pé, as cores, se tem anel, se tem lamela, se tem poros, as dimensões. “Todas as características têm que ser analisadas em conjunto e, muitas vezes, a gente vai precisar recorrer a microscopia”, Jeferson me conta. Por isso, a recomendação é nunca comer o cogumelo se você não conhecer. Além disso, pelo fato de o cogumelo absorver o que está ao seu redor, não é recomendado coletar nada muito próximo de zonas urbanas, principalmente estradas e plantações.
No caso de quem quer começar a cultivar para uso pessoal, não é necessário um investimento muito grande — mas o mais fácil é comprar um bloquinho ou balde com o substrato já colonizado. O ideal é começar com shimejis, porque tem um ciclo rápido de frutificação e em uma semana você já pode comer o que cultivou.
Conforme o Hemerson e a Camilla me contaram, dependendo do produtor e da estação do ano, um bloco de shimeji pode produzir até cinco vezes. Se for uma época mais chuvosa, você tem mais frutificações. Mas eles já passaram por experiências de baldes em períodos de estiagem demorando 90 dias para frutificar — e aí é preciso estimular essa umidade no bloco.
O ideal é encontrar um local protegido, fresco e com claridade, mas não muita; apenas o suficiente para o cogumelo se guiar. A umidade também é um fator importante, já que é condição necessária para frutificação. Uma dica é usar um umidificador de ar e, se tiver mais espaço, pode separar um cômodo ou cercar um espaço com lona para manter a umidade ali — cogumelos absorvem umidade facilmente em formas de névoa.
Além disso, uma dica é sempre fazer circulações de ar na sala, porque teores maiores de CO2 estimulam a frutificação do fungo. Caso o espaço seja pequeno, é possível até forçar a circulação com um cooler de computador. E Hemerson dá um lembrete: “com apenas um pedacinho, 2 milímetros de tecido de fungos, é possível começar uma indústria!”.
[Ao invés de um microconto, vou aproveitar a deixa da entrevista para colocar uma curiosidade não consegui colocar nas outras edições. Ao falar sobre a importância dos fungos em renovar o ecossistema, Hemerson fez uma pergunta retórica: "Imagina o que seria da floresta sem os fungos para decompor as árvores?".
Mas podemos imaginar. Há cerca de 300 milhões de anos, no período Carbonífero, os fungos ainda não produziam as enzimas para digerir as ligninas dos troncos. O material, sem conseguir se decompor, foi fossilizado. Daí a origem do carvão vegetal.]
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Nos últimos 15 dias, eu:
Participei do episódio: “356 – 14-14 – Cartas Misteriosas – Silène Edgar e Paul Beorn”;
Participei de “357 – Direitos Universais na Literatura: Memória e História (Vamos Queimar Borba Gato?) – com Rafael Gonzaga”.