Correnteza # Maio/2024
algumas das coisas que correram na minha vida durante o mês de maio — livros, jogos, filmes, podcasts, quadrinhos e notas aleatórias
No último mês, retomei a leitura de parte da bibliografia da minha dissertação. Quando estudei a crítica literária feita pelos booktubers, não estava preocupado só em visualizar quais elementos e como se estruturava o discurso crítico em vídeo. Sempre me interessei também na construção e formação dos críticos: afinal, quem pode falar sobre livro?
Retomei estes estudos (até para resolver alguns problemas que sei que estão na pesquisa que publiquei e não consegui resolver) e quero compartilhar eles aqui na Ponto Nemo enquanto estruturo um livro e/ou um curso sobre o tema. Além disso, claro, compartilho algumas coisas que li, vi e foram marcantes no mês.
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1.
Durante minha faculdade de jornalismo, senti falta de uma formação que me preparasse para atuar no campo cultural. Foi por esse motivo que entrei na academia. Em 2015, fiz minha primeira pesquisa sobre jornalismo literário e a revista piauí. No ano seguinte, me formei com uma monografia — um TCC voltado para a produção de crônicas nos jornais impresso e uma breve análise do cronista que me parecia mais ativo na época, que era o Antônio Prata.
Este texto também me deu um repertório para escrever um artigo que foi publicado em 2018: um panorama histórico da produção dos jornalistas e escritores no Brasil. Em um resumo básico, grande parte dos nomes destacados tinham que dividir o tempo da escrita autoral, alugando “a pena” para escrever os pensamentos dos outros; geralmente, da elite.
Quando o jornalismo passa por seu momento de industrialização, os textos se tornam mais padronizados e os escritores passam a atuar em outras frentes, como a escrita de roteiros para a publicidade, a atuação no campo audiovisual ou os serviços de ghost writers. É um texto antigo, que gostaria de atualizar, mas ficou bacana.
Além disso, enquanto eu esperava o artigo ser publicado, escrevia minha dissertação sobre booktubers e crítica literária. Na época, era uma fatia interessante. Já tínhamos nomes grandes, bem conhecidos e ainda estávamos um pouco distantes do fenômeno Reels/TikTok e os vídeos de pouco segundos. Minha ideia inicial, megalomaníaca, era fazer um estudo completo da crítica literária: jornais, suplementos, podcasts, portais amadores, YouTube e blogs. Claro que, em dois anos de pesquisa, não ia dar conta de tudo.
Pelo ineditismo e falta de bibliografia, escolhemos focar sobre a crítica literária no YouTube, então. O que não me dei conta por muito tempo é que eu fiz uma pesquisa mesclada: não só a estrutura da crítica, mas a formação do crítico. Quem conseguia fazer vídeo lá? Elas estudavam? Eram da área de letras/jornalismo? Elas conseguiam ser pagas por este trabalho?
Na época, quis colocar uma parte sobre remuneração e profissionalização do campo por conta de um questionamento de cobrança de resenhas que surgiu. Para quem não se lembra, tivemos a seguinte reflexão: se um autor entra em contato com o booktuber para que ele leia e resenhe seu livro, e o booktuber precisa reorganizar sua rotina de trabalho, ler um livro que não estava dentro do planejamento, estudar e resenhar o livro, gravar o vídeo, editar e subir em um canal do YouTube, ele tem direito de receber por isso? Para grande parte das pessoas, sim. Para outra parte, a cobrança era “um documento de barbárie” — como um dos comentários que mais me marcou.
No fim das contas, entrevistei seis booktubers (Mell Ferraz, Nicolas Neves, Yuri Al’Hanati, Gisele Eberspächer, Júnior Stornelli [Agatha Christie] e Alexander Meireles), analisei 6 meses do feed do canal e destrinchei 3 vídeos de cada um. Mas sempre senti que faltava alguma coisa para a pesquisa, algum desenvolvimento mais potente que estava escondido.
Então, retomei a pesquisa. Estou relendo parte significante da bibliografia e resolvi compartilhar o caminho na newsletter, como um Diário de Pesquisa e escrita. Vou compartilhar alguns fichamentos e reflexões que surgem enquanto faço essa nova visita, começando pela leitura de Legisladores e intérpretes, de Zygmunt Bauman, e de A crítica e o campo do jornalismo, de Mauro Souza Ventura.
Os dois textos são bastante próximos e discutem como a figura do crítico e sua relação com projetos novos de sociedade — como a figura do crítico-legislador, que surge junto com a instauração do pensamento moderno e passa a legislar sobre o que é cultura, o que é civilização e como as “culturas atrasadas” precisam progredir para alcançar o ideal de progresso: a sociedade europeia. Tudo isso em uma trama muito complexa de instauração de poder sobre os corpos, enfim.
Enquanto ainda não resolvo o que fica fechado para apoiadores e o que fica aberto, se vira um curso ou um livro (ou ambos), vamos trocando essas experiências. Aliás, se alguém tiver alguma dúvida ou curiosidade sobre o tema, comenta aqui ou responde o e-mail e coloco o tema em pauta.
2.
Hoje, como preciso enviar uma edição mais curta, vou fazer um apanhado geral do que rolou por aqui e que eu gostei:
Assisti ao filme Pânico (1996), do Wes Craven. Caralho, que filme bom. Nunca tinha visto, mas é uma grande homenagem/piada aos filmes de terror dos anos 1980 — como todo mundo já deve saber. O fato de que o Ghostface apanha de quase todas as vítimas é maravilhoso…
Também vi outro filme antigo que adorei: The Rocky Horror Picture Show (1975), de Jim Sharman. Que loucura, né? Tem monstro, tem E.T., tem gente se pegando, tem música. É exatamente essa loucura que você imaginou. Se você nunca assistiu, deixo aqui a minha música preferida do filme:
Tem autores que fazem a gente agradecer pelo fato de que o português-brasileiro é nossa língua materna, não é? Sagarana, do Guimarães Rosa, é um desses casos. A obra é uma coletânea de contos do autor mineiro e recomendo, especialmente, Sarapalha, A hora e vez de Augusto Matraga e Corpo Fechado. Mas os contos são excelentes (minha única exceção, talvez, é São Marcos).
Estou fascinado por Elena Ferrante e vocês verão pelo menos mais um texto sobre ela. Além da Tetralogia Napolitana, terminada no mês passado, li Frantumaglia. O livro é uma coletânea de cartas e entrevistas da autora, compartilhando um pouco do seu processo criativo e suas percepções sobre jornalismo cultural e a ideia de autoria. Estou com As margens e o ditado para ler, outro de não-ficção, e estou preparando algumas reflexões sobre o tema.
Fizemos uma gravação sobre o livro Detalhe Menor, de Adania Shibli, no podcast 30:MIN e vou compartilhar aqui. Achei a live bastante interessante e didática para quem (como eu) não tem muita base para compreender o conflito palestino. A obra é curta, boa e forte. Shibli já recebeu diversos prêmios — e receberia mais uma no final do ano passado, antes de ser excluída da feira de Frankfurt por conta dos conflitos. Se você não é do time vídeos, logo o material está disponível nos feeds do podcast.
Se você gosta de temáticas marinhas, recomendo os dois contos de Lis Vilas Boas que li neste mês: As sete mortes de uma sereia e Marea Infinitus. Os dois estão disponíveis no Kindle Unlimited. O primeiro, conta a história de um amor que existe ao longo de várias vidas e de deuses-gatos-mares que se alimentam de histórias; o segundo, de um experimento híbrido em um planeta de mar senciente.
Bom, se você nunca leu nada da N.K. Jemisin, eu sinto muito por você. Acho que ela é uma das autoras vivas que mais tenho gostado de acompanhar. Ontem, terminei de ler Nós fazemos o mundo, parte final da duologia Grandes Cidades. Ainda não consegui explicar algumas das sensações e percepções que ela me fez sentir sobre as cidades, mas li enquanto voltava de viagem e ver a cidade crescendo na janela do ônibus me despertou muitas sensações interessantes. Aqui, as cidades despertam e se tornam avatares. Todos têm particularidades e visualizam o fluxo de acordo com os próprios filtros: uma das personagens vê as coisas como cores, porque é artista visual; outra, a partir da música, já que era rapper; outra, vê tudo como equações — além do fato de que os avatares precisam usar esses poderes para lutar contra R’lyeh, a cidade lovecraftiana que quer fazer gentrificação em New York. Nada como ver ela tomando uma porrada energizada pela materialização da raiva das pessoas em transportes públicos lotados.
Enfim, só para compartilhar a vitória de ter terminado o tão esperado Leviathan Wakes, de James S.A. Corey, o primeiro livro da série The Expanse.
3.
Por fim, vale destacar duas parcerias que rolaram por aqui:
A editora Fósforo fez um evento muito interessante com os parceiros. Ouvi uma entrevista com a poeta Mar Becker, comentando sobre seu processo criativo (e quero muito lê-la) e outra com o Fernando de Barros e Silva, falando sobre o próximo livro do Chico Buarque. No evento, ganhamos alguns livros: Palavra nenhuma, de Lilian Sais; A viagem inútil: trans/escrita, de Camila Sosa Villada; e A casa de barcos, de Jon Fosse.
A Cia. das Letras convidou os parceiros para assistir ao filme A ordem do tempo, da diretora italiana Liliana Cavani, inspirado pelo livro homônimo do escritor italiano Carlo Rovelli. Além do filme, recebemos o livro que o inspirou e o último lançamento do autor, Buracos brancos: dentro do horizonte.
Obrigado por ler até aqui!
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Outras produções estão disponíveis no meu site pessoal e você pode me ouvir falando de literatura no podcast 30:MIN.
Se quiser conversar, pode responder esse e-mail ou me encontrar no Instagram.
No último mês, eu:
Participei do episódio: “30:MIN 481 – Riacho Doce, de José Lins do Rego”;
Participei do episódio: “30:MIN 482 – Desafios da Tradução, com Jana Bianchi”.
Sigo considerando bastante relevante a discussão de como os críticos ou resenhistas podem ou devem ser remunerados em nossos dias.
Nunca aceitei grana de editora ou de autor para escrever sobre um livro, por mais que propostas assim apareçam - quem me paga é quem me contrata e/ ou meu público. Mas sei que não é um modelo viável para todos.
Me parece que ainda hoje é um debate cheio de gente na defensiva, cercado por dogmas e discursos que não param de pé diante de bolsos vazios. Uma pena.
interessantíssimo o tema da sua pesquisa, ansiosa pelos novos compartilhamentos!
Estou lendo Grantumaglia da Ferrante e gostando muito.