Correnteza # Junho/2024
o futuro do substack; uso de celulares por jovens; literatura e masculinidade; coelho maldito; crítica literária & muito mais — o que rolou em junho por aqui
Entre os assuntos abordados na edição de hoje, temos:
a morte dos seguidores, a criação artística nas redes sociais e algo que penso se relacionar com futuro do substack como plataforma;
uso de celulares por crianças e adolescentes;
um breve panorama sobre a masculinidade na literatura;
leituras sobre Coelho maldito, de Bora Chung, sobre crítica literária & outros livros;
jogos;
livros recebidos.
Mas!! Devo dizer que, com muita felicidade, aviso que minha resenha sobre a Tetralogia Napolitana, de Elena Ferrante, foi publicada no jornal Rascunho. Escrevi sobre isso em diversas edições, todas de forma rápida, então nada mais justo do que compartilhar com vocês: Como uma brincadeira de bonecas.
Então, se você ainda não for inscrito, não deixe de colocar seu e-mail no botão abaixo para não perder nenhuma edição. Caso seja, o botão também permite um upgrade na assinatura para apoiar e garantir a continuidade da Ponto Nemo — se preferir, também temos a página no Financiamento Coletivo no Catarse e a contribuição via PIX, no final do texto.
1.
Há alguns meses, vi uma palestra do CEO do Patreon, Jack Conte, sobre a “morte do seguidor & o futuro da criatividade na internet” no SXSW 2024 e alguns trechos me fizeram pensar sobre o espaço de produção aqui no Substack.
Ao longo de sua apresentação, Conte vai apresentar a internet em cinco momentos diferentes: (a) o primeiro deles é nos anos 1990, com uma web estática em que os usuários só liam, sem criar; (b) depois, nos anos 2000, temos uma internet que estimula o compartilhamento da própria vida com o advento de redes como YouTube, Twitter, Facebook (e, aqui no Brasil, o Orkut); (c) mas nos anos 2010, as redes começam a rankear estas postagens em uma linha do tempo: se sua foto tiver pouco engajamento, vai para baixo na linha de exibição, até que (d) o mecanismo evolui para um feed dinâmico escolhido, otimizado e avaliado de acordo com a empresa e seu algoritmo.
Jack Conte é músico, mas seu começo de carreira era um tanto… desastroso. Fazia turnês pelos Estados Unidos sem grana, tocava em bares vazios e não tinha quase nenhum ouvinte. Mas o advento do YouTube deu uma guinada na sua vida. Quando postou algumas músicas na plataforma, começou a ter seguidores, pode cultivar uma comunidade e, finalmente, ganhar dinheiro com seu trabalho.
Aqui, no começo dos anos 2000, temo um ponto-chave para Jack Conte: os seguidores. Para Conte, ato de seguir alguém em uma rede social criava uma outra estrutura de informação: as pessoas que criavam arte podiam se conectar diretamente com as pessoas interessadas em receber atualizações do trabalho criativo.
Mas, quando as redes sociais passam a hierarquizar os conteúdos, Conte aponta para uma primeira crise de criatividade, já que você não precisa apenas criar, mas criar e ser melhor que os outros. Uma segunda crise surge quando o engajamento dá lugar ao algoritmo, porque acrescenta-se ao processo de criação a ideia de criar para atender os critérios da empresa: o que o algoritmo gostaria que eu produzisse? de quanto em quanto tempo? quais palavras devo usar?
Dentro destas mudanças, para Conte, o conceito de seguidor e da criação de comunidade se enfraquece. Para quem estuda mídia, já é uma discussão recorrente o fato de grande parte das redes, como o TikTok, geralmente, terem pouca ou nenhuma conexão com quem fala. Claro que, particularmente, acho que algumas coisas não estão piores, mas diferentes: as comunidades se modificaram e tomam forma em outros espaços e seguidores passaram a acompanhar de outras formas.
Mas a arquitetura informacional que permitia a conexão entre artistas e seguidores está fragilizada. O ritmo frenético, os termos que podem ou não ser usados, as prioridades, as linguagens priorizadas… todos estes são fatores que prejudicam o trabalho criativo — sem contar a parte econômica e social, outro importante fator da precarização dentro e fora da internet.
Esbarrei, nesses dias, em um post do Cris Dias no LinkedIn em que comentava justamente sobre a “morte das redes sociais” e de como as pessoas sentem falta “dos bons e velhos tempos”. Estamos vivendo um tempo que Cris Dias chama de “pós-social”, justamente porque as plataformas mudaram. Não são mais otimizadas para conexão, mas para retenção de usuário e conversão de compra.
As empresas se aproveitam disso. A gente também. Cada vez mais, o Instagram se torna um espaço para promover carreira, estabelecer uma identidade e coisas do tipo. O aspecto social mesmo foi para o ambiente seguro, para os grupos fechados, WhatsApp, Telegram, etc. Enfim.
O que achei bacana é que Jack Conte apresenta as estratégias do Patreon para garantir um espaço para a produção voltada para quem curte seu processo criativo e para que haja uma comunidade entre os apoiadores do trabalho. Lá, você pode postar textos, vídeos, podcast, ter seguidores e inscritos gratuitos, espaços pagos, um espaço de loja, para quem quiser comprar produtos e… parece bastante com o que o Substack tem feito nos últimos tempos, né?
Vejo uma confusão entre o que tinha sido oferecido como serviço de newsletter & a instauração deste espaço para criar comunidades com chats, notes e uma categoria nova de seguidores que confunde quem vai receber e-mail ou o quê. Se bobear, logo o Substack inaugura um espaço de loja também.
Se, por um acaso, o cenário te assusta ou te deixa inseguro para lidar com as redes sociais, Jack Conte termina com algumas dicas legais: (1) invista nos seus fãs de verdade, naqueles que querem te acompanhar e ver o seu trabalho, faça conexões com eles; (2) faça coisas bonitas e boas, não faça com pressa para tentar atingir a meta de uma máquina, demore o tempo que precisar, aceite seu processo criativo e complete o percurso; (3) acredite no que você está fazendo, crie aquilo que faz sentido para você.
Conte dá um bom exemplo: existe a barraquinha de cachorro-quente perto da Torre Eiffel e um restaurante escondido em uma viela de Paris. Cada um deles têm um funcionamento específico e proporciona experiências diferentes. Você pode ser a barraquinha de cachorro-quente e atingir milhares com uma experiência não tão marcante, mas que vende barato e está no lugar certo. Mas você pode ser o restaurante com pratos mais sofisticados, com menos clientes e experiências mais marcantes.
Para quem quiser conferir o vídeo, está aqui:
1.1.
Demorei muito para postar sobre a palestra porque o uso da internet se tornou uma bola de neve gigante e queria emendar os dois assuntos sobre o uso de celular na infância e adolescência.
Fiquei fissurado no assunto. O uso de celular por crianças e adolescentes é extremamente prejudicial: causa doenças, problemas de sociabilidade e prejudica a formação do cérebro de forma permanente. Tenho certeza que, daqui uns anos (se continuarmos existindo como espécie), vamos olhar para hoje como olhamos para o consumo de cigarro, a propaganda infantil e o cinco de segurança.
Não consegui elaborar o tema de uma forma mais profunda e interessante, mas não podia deixar de citar. Deixo aqui alguns links que li nos últimos dias:
Seu filho passa a vida no celular?, temporada sobre uso de celulares feita pela Gama Revista, com entrevistas, reportagens, indicação de livros e podcast.
Entrevista com Jonathan Haidt feita pelo jornalista David Remnick, em inglês e publicado na The New Yorker. A entrevista mostra como há uma mudança grave em andamento e que tudo indica que a causa está relacionada à popularização dos smartphones.
Em uma matéria para a piauí, Tania Menai aponta os problemas de sociabilidade e desenvolvimento cerebral e corporal devido aos usos de smartphone — e faz referência à outra reportagem da jornalista, publicada em 2023, que descreve possibilidades e medidas para mitigar o uso do aparelho.
Por fim, um trecho adaptado do livro de Haidt publicado na piauí. O livro chama-se A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais.
2.
Queria deixar no radar de vocês o livro O homem não existe, de Lígia G. Diniz. A pesquisadora e escritora destrincha, ao longo das várias páginas da literatura mundial, o que é a masculinidade e o que se propõe quando colocamos isto nas páginas da ficção — são assuntos que tratam, por exemplo, de como os homens lidam com sentimentos como a raiva (e qual a resposta social deste tratamento), o que é a inteligência e como performá-la e o que é a beleza e sua relação com o pênis.
Ainda não li o livro inteiro — as primeiras páginas me deixaram com vergonha alheia de um escritor bastante conhecido e precisei adiar a leitura —, mas deixo aqui a entrevista que a autora deu para Walter Porto (Folha de S.Paulo) e outra que fez com Leonardo Neiva (Gama Revista). O
escreveu algumas reflexões na newsletter dele também, a , no texto O homem não existe? Égua!.3.
Na editoria natureza, para não perder o costume, dois links rápidos.
O primeiro, trazendo atualizações daquilo que a gente já tem uma ideia há um certo tempo, mas que ainda precisa passar pelo aval de grande parte da comunidade científica: Os animais têm consciência?. A matéria faz um panorama sobre como essa questão tem se tornado, cada vez menos, um tabu & a que ponto estamos agora de definir algumas questões sobre outras consciências.
O segundo link tem ocupado minha cabeça dia e noite e mostra que os Insetos têm vida sexual fascinante, com batalha, traição e pênis destacável. Digo que isso não sai da minha cabeça porque a matéria mostra os diversos tipos de acasalamento entre insetos e eu, que gosto de ficções estranhas, esquisitas e com questões que falam sobre o corpo, não consigo parar de pensar nestas relações transpostas para outros corpos.
4.
Mantendo a editoria de coisas estranhas, matei minha vontade de ler Coelho Maldito, de Bora Chung.
O livro é uma coletânea de contos escrito pela autora sul-coreana — que é especialista em literatura eslava e fala russo e polonês. Maldições, fantasmas, escatologia e relações familiares são temas recorrentes nas história de Bora Chung.
Em um dos contos, uma mulher dá vida aos seus excrementos — uma formação que exige várias décadas. Em outra narrativa, uma moça toma anticoncepcionais além do tempo indicado pelo médico e engravida sem ter relações sexuais. Outra mulher adota o fantasma infantil de uma casa, enquanto noutro conto uma pesquisadora que vê fantasmas começa a se relacionar com um homem e a atender seus fetiches sexuais.
Mas queria destacar um conto belíssimo, que me lembra histórias de tradição oral, chamado O senhor do vento e da areia. Chung descreve imagens belíssimas, peixes que voam do deserto para mergulhar nos mares, embarcações que flutuam por um deserto dourado…
Aparecida Vilaça resenhou o livro para a revista quatro cinco um, mas você pode conferir as inspirações literárias de Bora Chung e uma entrevista sobre o processo criativo no site do The Booker Prizes (em inglês).
5.
Na editoria Diário de Escrita, que prometi no mês passado, li dois livros que entraram aí na nossa trajetória. O primeiro deles foi Legisladores e Intérpretes, de Zygmunt Bauman; o outro foi A crise da narração, de Byung-Chul Han (fiz um miniworkshop sobre narrativas, jogos e aventuras de RPG e resolvi trabalhar com este livro. Foi interessante).
Deixo para escrever sobre eles com mais calma em outro momento, mas, de forma resumida, Bauman apresenta a constituição da classe intelectual e seus cruzamentos e recortes com a instauração do Estado Moderno — dentro desse recorte, o papel da crítica de arte é um dos mais relevantes para estabelecer um controle do corpo e do pensamento. O livro conclui quando, findo o processo de estabelecimento, o Estado aperfeiçoa seu aparato de controle e alia-se ao Mercado, relegando ao intelectual um papel completamente livre e irrelevante.
No outro texto, Byung-Chul Han estabelece a crise da narrativa com critérios bastante próximos ao de Walter Benjamin em seu famoso texto sobre o contador de histórias: as narrativas desaparecem porque a sociedade está preocupada com outra unidade que não a experiência, mas a informação, que é efêmera, descontextualizada e desconexa. A diferença é que Han aponta a existência de outra unidade: os dados. Diferentemente da informação, os dados intensificam as características da informação e complexificam o problema ao acrescentá-lo à lógica do capitalismo de vigilância.
6.
Das outras leituras do mês, li um quadrinho divertidíssimo chamado O primeiro gato no espaço e a pizza (quase) impossível, de Marc Barnett e Shawn Harris. Você pode ler a resenha-relâmpago no Instagram. Outro livro que li, muito legal, foi Contos de fada japoneses, de Yei Theodora Ozaki, e com organização, ilustração e tradução de Janaina Tokitaka — outra resenha-relâmpago que também vai sair no Instagram.
Li A coleção privada de Acácio Nobre, de Patricia Portela, para o Clube de Leitura do 30:MIN. Falei sobre o livro na última live do podcast, mas você pode esperar sair o episódio no feed. Como vocês viram na edição passada, também li A estrada, do Cormac McCarthy.
Por fim, também li O púlpito: Fé, poder e o Brasil dos evangélicos, escrito pela Anna Virginia. Muitas questões, muita complexidade. É interessante como a jornalista apresenta a constituição de um mundo desenvolvido em paralelo pela falta de consideração devido à minoria numérica e ao preconceito e que, quando se revela, está cheio de nuances e nichos.
Durante a leitura, senti uma quebra na percepção de que há uma homogeneidade nos núcleos religiosos, vendo que há algumas resistências progressistas dentro das articulações políticas, mas, em paralelo, vemos as mesmas posições caricatas, criminosas e aliadas de um determinado poder que me incomoda. Uma das entrevistas comenta sobre a dificuldade da sociedade de recebê-los porque há uma dificuldade de “aceitar os valores mais conservadores” — mas não acho que quero aceitar tais valores.
7.
Em uma citação rápida do que joguei no último mês (e em maio, que esqueci de acrescentar à publicação), posso dizer que: zerei Dodgeball Academia, jogo brasileiro sobre uma escola de queimada. Meh. Interessante, mas repetitivo demais.
Voltei a jogar Hades. Comecei um novo save no PlayStation. Como é maravilhoso. Já estou quase platinando. Além disso, comecei a jogar Monster Hunter: World e descobri que gosto. Já estou ansioso pelo Wilds.
No computador, às vezes perco uns minutinhos em Stardew Valley, RimWorld e Factorio. Não é muito tempo, mas serve quando estou esperando alguma coisa.
8.
Editora Fósforo mandou Uma história (muito) curta da vida na Terra: 4,6 bilhões de anos em doze capítulos (1), de Henry Gee;
A Harper Collins me mandou um romance de Elif Shafak chamado O manuscrito;
E uma edição de Grande Sertão: Veredas da Cia. das Letras;
Já citei acima, mas recebi da Baião, selo da Todavia, o quadrinho O primeiro gato no espaço e a pizza (quase) impossível, de Marc Barnett e Shawn Harris, e o livro Contos de fada japoneses, de Yei Theodora Ozaki, e com organização, ilustração e tradução de Janaina Tokitaka.
Obrigado por ler até aqui!
Se você gostou da edição, compartilhe com alguém que possa gostar. É de grande ajuda!
Além disso, você pode conferir a campanha de financiamento coletivo no Catarse — ou assinar pelo Substack. Cada apoio conta! Se quiser fazer uma contribuição pontual, faça via PIX para a chave aleatória: 98ce79b0-214b-4a02-a403-7e5c219249b0.
Se você recebeu esse texto de alguém, não deixe de se inscrever e conferir as outras edições em Ponto Nemo — também temos um Arquivo Interativo, para você checar as temporadas completas.
Outras produções estão disponíveis no meu site pessoal e você pode me ouvir falando de literatura no podcast 30:MIN.
Se quiser conversar, pode responder esse e-mail ou me encontrar no Instagram.
No último mês, eu:
Participei do episódio: “30:MIN 486 — Ouvir livro é leitura?”;
Escrevi uma resenha para o jornal Rascunho: “Como uma brincadeira de bonecas (Tetralogia Napolitana, de Elena Ferrante)”.
Vou gotejar os comentários desta sua missiva almanaque, pois tão diversa. Adorei o texto sobre a Tetralogia Napolitana. Não li, mas acabou de comprar no Prime Day e você me deu fôlego pra aguardar. Li só um livro de Ferrante, é mesmo uma autora? Li A vida mentirosa, e fiquei tão besta que não li mais nada, deixei pra lá pois não sobreviveria a dois ou três deste veneno de realidade. Comprei a caixa da Terra sem respirar. Então, valeu demais sua oxigenação ... Vou ler com seu texto ao lado, assim respiro.