Hoje, compartilho dois relatos que recebi. Um deles é da Ana Dantas, o outro é da Vanessa Guedes (
). São os últimos relatos oficiais, já que encerramos a temporada dos sonhos na sexta-feira, dia 25 de novembro.Gostei bastante de ouvir histórias de sonho e compartilhar essas histórias com vocês. Meu desejo era retomar esse espaço comum da narrativa onírica, devolver o sonho para o espaço cotidiano… e a vontade continua: compartilhem sonhos. Contem. Façam diários de sonho. Podem usar o espaço dos comentários para isso, se sentirem vontade. O importante é sonhar.
Antes de começarmos, já sabem: se você gosta da newsletter, não deixe de checar a página do Financiamento Coletivo ou ver os planos de inscrição pelo próprio Substack, clicando aqui:
O planejamento da newsletter para o ano que vem já começou e os apoiadores estão sabendo de algumas coisas, além de receber textos exclusivos.
De qualquer forma, se você gosta da newsletter, também pode contribuir de forma gratuita. É só compartilhar com alguém que pode curtir:
T02 E07.02: Diário de Sonhos
Ana Dantas
Fazia um tempo que queria compartilhar algumas coisas sobre os meus sonhos, mas a maioria das minhas observações vem de sonhos mais antigos. Passei um tempo sonhando menos, e esses dias estou no território dos sonhos frenéticos onde eu acordo sem me lembrar muito bem, mas tenho certeza que foi só um grande looping das ansiedades que tenho enquanto desperta.
Geralmente, quando eu sonho tem uma divisão da minha pessoa: um “eu-protagonista” que não sabe que está sonhando e acredita plenamente na lógica do sonho, vivenciando cada experiência “na pele”; e um “eu-espectador”, que está imerso no sonho da mesma forma que um leitor em um livro, com suspensão voluntária da descrença.
Quando o sonho está dentro de algum parâmetro onírico arbitrário que meu cérebro considera normal, o eu-espectador não se manifesta muito. Mas, quando é uma narrativa interessante, eu consigo sentir essa dissociação entre o eu-protagonista vivendo a aventura e o eu-espectador ansiosa pra ver onde isso vai dar, inclusive me segurando no sonho quando alguma pequena interrupção ameaça me acordar ou as próprias marés do sonhar estão tentando levar o sonho embora.
Esse eu-espectador também cuida do departamento de perigo e vergonha alheia. Às vezes, força a repetição de uma situação até o eu-protagonista tomar uma decisão menos idiota. Às vezes, o eu-espectador consegue afetar o sonho diretamente, mas é mais comum só forçar a repetição de trechos até o eu-protagonista ter mais sorte.
Ah! Recentemente, estou tão desesperada pra cortar o cabelo que nos sonhos enxergo ele três vezes mais comprido do que de fato está. (Risos)
Vanessa Guedes
Minha história com o sonho lúcido começa há muito tempo, quando eu era criança. Eu tinha uns oito anos de idade e comecei a ter episódios de sonambulismo. Virou uma coisa normal na minha casa. Eu tinha aquele tipo de sonambulismo dos filmes, clássico. Andava pela casa de olhos fechados, não batia em nada, não trombava em nenhuma parede. Não fazia nada demais, só andava. Meus pais se acostumaram com isso, se acostumaram a escutar, levantar e iam atrás de mim, gentilmente, me conduzindo de volta para a cama, sem me acordar.
Mas teve um dia que eu acordei no meio de um dos passeios e foi aí que tudo mudou. Foi um dia que meu pai, talvez, estava assistindo um jogo de futebol, de madrugada... Eu nunca lembrava do que fazia dormindo, mas ele me contou. Falou que eu tinha um jeito específico de andar quando eu estava dormindo, que ele já conhecia. Mas eu fui até ele, eu parei no meio da sala, de frente para ele, com o olho fechado e perguntei se eu podia ir no banheiro. Ele falou “pode” e ficou observando, ao invés de me levar para cama. Eu fui para o banheiro e, quando cheguei, eu abri a porta, acendi a luz e fiquei lá. Parada. Fiz xixi nas calças. Foi quando eu acordei.
Eu lembro da sensação de acordar e virar para o espelho e ver meu rosto, estranho. Não me reconheci no primeiro segundo, parece que eu era outra pessoa. Não sabia o que estava acontecendo. Fiquei muito desnorteada, mas passou.
Foi aí que eu comecei a reclamar que eu não queria mais aquilo e me levaram ao médico. Descobrimos que eu tinha uma condição física, uma “anomalia” no corpo. Eu tinha um negócio chamado hiperamigdalite, que minha mãe e irmã também têm, que é quando você tem a amígdala de um tamanho anormal. Uma passa a ter o tamanho de duas. É como se eu tivesse quatro amígdalas na garganta. Isso dificulta muito a respiração, principalmente no momento de relaxamento, porque elas tendem a ficar inchadas durante a noite... tem toda uma reação que eu não vou lembrar muito os detalhes.
Fui para vários otorrinolaringologistas e todos eram contra retirar as amígdalas. Era uma prática antiga, ninguém queria fazer, ainda mais em uma criança, sem infecção nenhuma... o problema foi ficando e eu desenvolvi minhas formas de evitar o sonambulismo, de andar de noite pela casa.
Quando eu era adolescente, com uns 16 anos, isso evoluiu para uma apneia. Essa época foi quando comecei a ter paralisia do sono. Foi péssimo. Não recomendo para ninguém. Era um perigo, fazia tudo o que os médicos me mandavam e não aliviava. Eu tive algumas paralisias que meu pai acordou porque sonhou comigo chamando ele, umas coisas bem loucas... Também tive episódios em que eu, minha vó e minha irmã estávamos dormindo no mesmo quarto e conversamos dormindo. “Ah, pega a bola verde”, “Não tô vendo”, “Tá do teu lado”. Enfim... Quando eu estava para fazer 18 anos, finalmente achei um otorrinolaringologista que falou para mim: “Não tá dando certo, vamos tirar tuas amígdalas, então. Você quer?”, “Quero.” Fiz essa cirurgia no Hospital da Criança, pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Mudou minha vida. Parou todos esses problemas: não tive mais sonambulismo, não tive mais paralisia do sono, nada. Foi libertador, inclusive minha voz mudou radicalmente. Foi o que todo mundo falou na época.
Uma coisa que acontecia ocasionalmente antes de tirar as amígdalas era ter sonho lúcido. Mas era muito raro. Eu não sei o que aconteceu. Mas, depois que eu mudei para a Suécia, teve uma época que foi estressante. Eu e meu companheiro estávamos morando num apartamento de um cômodo, muito pequeno. Eu gosto do meu espaço, preciso ficar sozinha durante o dia, trabalhava o dia todo... então comecei a correr, para valer, para ficar sozinha.
Não sei porque, nessa época, eu comecei a ter muitos sonhos lúcidos. Os sonhos lúcidos que eu tinha não era aquela coisa que as pessoas geralmente acham, de “percebi que estou sonhando, agora vou controlar o meu sonho”. Eu só sabia que era um sonho, mas não tinha controle nenhum.
Teve um dia em que eu tive um sonho lúcido em que eu fui descendo para um lugar, como se fosse o Inferno, sabe? Tinham várias pessoas ali e outras eram demônios. Como que eu sabia? Não sei, eu só sabia, apesar de todo mundo parecer humano, normal.
Daí eu percebi que os demônios torturavam os humanos e era horrível. Eu pensei que talvez eu tivesse chegando no inferno. “Caralho, preciso ir embora daqui. Não era para eu estar aqui”. Quando eu pensei isso, os demônios olharam para mim e vieram na minha direção. Eles tinham instrumentos de tortura, facas, espadas e eu senti. Senti toda a dor de ser completamente esfaqueada e eu morri no sonho. Senti o sangue indo embora, senti a pressão caindo e eu pensei: “Bom... pronto, é aqui que acaba. Fazer o quê?”. Senti o corpo dormente... e acordei. Mas ainda com o sentimento da dor. Foi muito maluco e aí eu pensei “não vai ser a última vez que eu vou sonhar com esse tipo de coisa” e fiquei com medo.
Resolvi ser proativa e pesquisar sobre sonhos lúcidos, na parte mecânica mesmo. Testei várias técnicas por um ano. O que mais deu certo, e que eu considero o maior sucesso, foi o lance de olhar para as mãos durante o dia. Olhar para as mãos enquanto eu estava acordada para fazer isso durante o sonho. Toda vez que eu olhava a minha mão no sonho, nunca era a minha mão. Às vezes, eram patas. Às vezes, tinha garras, dedos de salsicha, gigantes... Igual ao Tudo, em todo lugar, ao mesmo tempo, aquele filme que saiu há pouco tempo. Quando eu vi, pensei: “bom, não sou a única pessoa que sonha com isso, porque isso deve ter vindo de um sonho”. Virou meu código pessoal para saber que eu estava sonhando. Comecei a perceber isso.
Mas nunca cheguei no estágio de controlar o sonho, só de estar consciente de estar sonhando.
A grande virada nessa história foi quando comecei a meditar. Já fazia algumas práticas, como aquelas para tirar o stress do trabalho, mas comecei a ler sobre meditação de pessoas que estudam meditação e comecei a praticar vários tipos diferentes de meditação. Desde 2018, eu tenho uma prática diária, mas vou mudando a técnica, vou experimentando várias. No caminho de Santiago, experimentei umas muito malucas que não tinha conseguido antes. No final das contas, a meditação foi o que, a longo prazo, me deixou mais confortável com as situações de sonho lúcido.
E aí, depois de dois anos das práticas de meditação mais longas, ou seja, a partir de 25 minutos, parei de ter pesadelos. Foi a prática mais significativa, que eu acho que todo mundo com pesadelo deveria tentar.
Obrigado por ler até aqui!
Se você gostou da edição, compartilhe com alguém que possa gostar. É de grande ajuda!
Além disso, confira a campanha de financiamento coletivo no Catarse (ou, se quiser colaborar pontualmente, pode me dar um livro de presente). Também é possível se inscrever e apoiar a newsletter pelo próprio Substack.
Não deixe de conferir as outras edições em Ponto Nemo. Você pode conferir as outras produções no Estantário e me ouvir no podcast 30:MIN. Também estou no Twitter e no Instagram. Mas, se quiser conversar, pode responder esse e-mail.