Temporada 02 — Episódio 05.02: Diário de Sonhos
Segunda parte do quinto episódio: para compartilhar sonhos
Como dito na edição passada, os relatos dos sonhos recebidos não cabem mais nas edições regulares. Para não atolar vocês de leituras, vou enviar os relatos em edições separadas. O diário de sonhos de hoje é de André Colabelli, 36 anos, escritor.
(Inclusive, André é um dos editores da revista Eita!, publicação bilíngue para divulgar ficção científica e fantasia escrita por brasileiros. Eles estão com uma campanha no Catarse para lançar a terceira edição. Confere lá!)
André me mandou um relato por escrito, contando a relação dele com o hábito de anotar sonhos, e também algumas narrativas, separadas por divisões temáticas: o Diretor do sonho, uma “prova irrefutável do componente místico do sonhos”, uma reflexão sobre espaço e tempo, e, por último, sonhos e games.
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T02 E05.02: Diário de Sonhos
André abre seu relato sobre sonhar com uma seção intitulada “Meu Diário dos Sonhos — Uma análise física”. Ele me conta que se considera um místico cético. “Anoto sonhos porque eu acho legal, mas, sabe aquela instrução de que você tem que anotar os sonhos assim que acorda para não esquecer? Eu nunca faço isso. Às vezes, se passam dias até eu anotar” — razão pela qual esquece boa parte dos sonhos.
Em seus diários, gosta de colocar imagens. Mapas ou diagramas do espaço que visitou; imagens impressas de coisas que ‘inspiraram’ os sonhos, que vão de cartas de Magic: The Gathering até youtubers; raramente, desenha as situações vividas. Já chegou a colar papéis, mas não gostou.
O problema para criar o Diário dos Sonhos ideal surgiu quando tentou encontrar um meio que pudesse comportar tanto as folhas pautadas quanto as sem linha, para as imagens. “Gastei muito tempo procurando um caderno que fosse só meio pautado. Quando encontrei, extraordinariamente caro, usei só seis das folhas brancas (já que desenho bem menos do que escrevo). Depois, decidi que a solução era um caderno com pautas só de um lado, aí eu poderia desenhar no verso quando necessário” — um caderno que não encontrou para comprar. “A solução que encontrei foi pegar uma folha de anotações e pedi para uma gráfica encapar. Ficou bonitinho, mas ainda assim fiquei insatisfeito”, disse. Tampouco se adaptou ao uso de fichários.
A solução final veio com o famoso caderno de disco, já que pode colocar folhas diferentes da ordem que preferir — inclusive, imprimir direto na folha. “Faço isso para imprimir linhas no verso dos desenhos”, explica André. Caderno de disco pode ser pouco conhecido, mas é comumente chamado de Caderno Inteligente™. Como brinca André, “fisicamente, eu uso um Caderno Inteligente™. Quer dizer, chamo de caderno de disco porque Caderno Inteligente™ é uma marca registrada da empresa Caderno Inteligente™, mas, apesar meu relato não ser patrocinado, podem me pedir recomendações”.
Enfim… depois de muita reflexão metódica, vamos aos sonhos:
O Diretor no sonho (ou, o Continuista)
Uma coisa que acontece comigo com bastante frequência é que eu percebo alguma coisa que não faz sentido, e me “lembro” do motivo pelo qual ela faz sentido. Percebo que a minha casa está diferente… aí me “lembro” de que me mudei. Estou tendo um sonho na escola quando lembro que já saí dela faz muito tempo… aí “lembro” que por algum motivo tive que voltar a estudar.
Comecei a pensar nessa voz como o meu subconsciente tentando evitar que eu acorde porque percebi inconsistências, cochichando revisões no meu ouvido como se fossem meus pensamentos, já que sou o nerd chato do CinemaSins com meus próprios sonhos. Penso nessa figura como o Diretor do sonho – apesar de que Continuista seria um termo mais próximo.
Essa voz ficou bem aparente durante a pandemia, porque eu nunca sonhava que estava de máscara, mas frequentemente me lembrava de que devia estar usando uma máscara. Às vezes, isso simplesmente transformava um sonho num sonho de estresse por estar sem máscara, mas às vezes o Diretor simplesmente me soprava um motivo para eu estar sem máscara e eu aceitava e continuava o sonho.
O motivo mais idiota que eu aceitei foi sonhar que estava em um shopping quando percebi que estava sem máscara. Mas aí me “lembrei” de que o shopping tinha um hotel. Como eu estava hospedado lá, logo eu estava em casa... e não precisava usar máscara! Parabéns, Diretor. Também já aconteceu de sonhar com a Francine, minha namorada, sem máscara. Como ela é asmática, sempre foi bem estrita com o uso de máscaras. Então, se ela estava sem máscara, não tinha problema. Quando contei esse sonho, ela ficou nervosa comigo!
A história mais interessante aconteceu uma vez em que questionei o próprio sonho. Estava tendo um sonho normal, quando percebi que estava de máscara. Me lembrei do motivo pelo qual eu estava sem máscara, mas lembrei que isso acontecia o tempo todo nos sonhos, e nunca na vida real. Será que eu estava sonhando? Duvidei. Eu sabia exatamente onde estava e podia sentir o sol morno da tarde na minha pele. Obviamente, não estava sonhando. Pensei numa maneira de descobrir. Fechei os olhos e tentei me concentrar na posição do meu corpo. Se eu estivesse sonhando, sentiria meu corpo deitado na cama. Se não estivesse... bem, não ia acontecer nada. Eu realmente achei que só ia fechar os olhos por um instante... e aí acordei. Eram três da manhã.
Prova irrefutável do componente místico dos sonhos
Falando na Francine, é importante destacar que ela é mais mística do que eu, mas quase nunca consegue se lembrar dos sonhos. Além disso, ela tem asma. Como tenho o sono relativamente leve, às vezes a respiração dela me acorda. Da primeira vez que nós viajamos juntos, fiquei com medo de ficar meio morto ao longo dos dias. Mas, dormi bem.
Uma coisa interessante aconteceu na segunda noite. Eu acordei, no meio da noite, com a sensação de alguém me dizendo: “A Fran está em perigo.” Acordei sobressaltado e olhei em volta. Quando percebi que estava no quarto do hotel, com a Fran dormindo calma do meu lado, fiquei nervoso. Não queria perder uma noite de sono. Voltei a dormir. Quando acordei de verdade na manhã seguinte, a Fran me disse que tinha tido um pesadelo. Ela ainda não tinha se lembrado do sonho, mas se lembrava da sensação, e definitivamente era um pesadelo. Será que eu senti, através do universo, que a Fran precisava da minha ajuda no sonho dela, mas interpretei errado os sinais e não consegui ajudar? Sim. Foi exatamente isso que aconteceu.
Espaço e tempo no sonho
Não acho que seja incomum ter dificuldade de lembrar o que foi verdade e o que foi sonho ao acordar. Mas fiquei fascinado com duas situações em que, logo ao acordar, aceitei plenamente a linha temporal errada do sonho.
A mais engraçada – e mais curta – foi uma vez que eu sonhei que entrava em um ônibus, sentava em um assento e dormia oito horas, depois acordava. Quando acordei, pouco depois, imediatamente pensei “não acredito que passei oito horas sonhando que estava dormindo”.
A outra, mais confusa, precisa de uma explicação: eu estava tendo um sonho — vamos chamá-lo de Sonho A — quando, no sonho, encontrei o meu diário dos sonhos. Imediatamente me lembrei de que tinha tido um sonho que queria anotar – vamos chamar esse de Sonho B. Então peguei o diário e comecei a lê-lo, só que o sonho que eu lia era um terceiro sonho — o Sonho F. Estava lendo esse terceiro sonho quando acordei.
Na hora de anotar o sonho no diário de verdade… não sabia como começar! Segundo a lógica do sonho, eu primeiro tinha tido o sonho F, que já estava anotado no diário; depois tive o sonho B, que ainda não tinha anotado; e por último, o sonho A, que era o “presente do sonho”. Mas eu não conseguia entender em que momento o sonho F tinha passado para o sonho B… porque, na verdade, o sonho F acabou quando eu acordei.
Sonhos e Games
Para encerrar, sonho muito com jogos eletrônicos. Tenho muitos sonhos em que estou jogando. O mais comum é o sonho como a ‘tela’ do jogo. É bem comum eles terem ‘gráficos’ de computador. Mas já tive sonhos em que eu simplesmente sabia que estava jogando, apesar de parecer normal. A versão mais estranha foi quando um sonho começou como um videogame, mas se tornou uma escape-room física — e eu sabia que eu e as pessoas que estavam comigo eram personagens de computador.
Um dos primeiros sonhos que eu tenho anotado no meu primeiro caderninho era que eu estava jogando um jogo. Lembro que ele tinha gráficos parecidos com a primeira leva de jogos 3D, como o Nintendo 64. Era sobre um grupo de alienígenas que estavam presos em uma fortaleza por outra espécie de alienígenas. Eu reconheci que o jogo era uma metáfora sobre a situação dos povos indígenas na Austrália (eu tinha lido sobre isso pouco antes). Mas o mais importante é que reconheci que era uma metáfora muito na cara e sem nem um pouco de sutileza. Achei que o criador do jogo poderia muito bem ter falado direto sobre os povos indígenas, já que ele não estava se aproveitando do cenário de ficção científica. Sou um crítico ferrenho dos meus sonhos.
Claro que, normalmente, os jogos não fazem sentido. Roubam regras de um jogo para outro, seguem a lógica da vida real, ou mudam de um momento para outro. Mas teve um jogo que quase fez sentido.
Em primeiro lugar, é preciso explicar a Bocarra Sinistra Colossal. É uma carta bem ruim de Magic: The Gathering, mas que em uma das comunidades de Magic no Reddit virou meme e todos dizem que é a melhor carta do jogo. Em uma das vezes, sonhei que estava jogando o jogo temático dessa criatura.
Era um jogo de tabuleiro na linha Roll & Write — jogos que envolvem rolagem de dados e a posterior marcação dos resultados em uma folha de papel. O tabuleiro era uma grade de quadradinhos e o objetivo era desenhar o maior número de Bocarras Sinistras em um campo. O desenho era formado por padrões de seis quadrados e era desejável fazer seis monstros, mas havia obstáculos no tabuleiro, incluindo aí as bocarras dos oponentes.
Não é um jogo completo e nem sei se seria divertido, mas gostei que era um jogo criado totalmente pelo meu subconsciente. Não só com as regras principais consistentes, com uma linha temática forte, mantendo a Bocarra Sinistra Colossal e o número seis.
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