Correnteza # Março/2025
algumas das coisas que correram na minha vida durante o mês de março — livros, jogos, filmes, podcasts, quadrinhos e notas aleatórias
Há! Com uma semana de atraso e alguns dias de atraso, mas consegui enviar a edição antes de ser tarde demais. Ainda tive algumas produções, textos e traduções para entregar no fim de março e começo de abril e a escrita embolou, mas as coisas vão se organizando.
Também machuquei meu joelho e tive que dar uma pausa nas sessões de corridas (o que diminuiu significativamente meu saldo de felicidade na semana, mas faz parte. Pelo menos fui AUDACIOSO e tirei um fim de semana para viajar & descansar. Até levei um material para trabalhar, mas resisti. É muita ousadia…).
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1.
Um dos textos que estava em produção no mês passado saiu agora, no começo de abril e foi uma entrevista com a escritora e jornalista espanhola Rosa Montero. Produzi a entrevista para o jornal Rascunho junto com Rogério Pereira, escritor e editor da publicação.
Falamos sobre algumas questões pessoais, mas também dos últimos dois lançamentos dela aqui no Brasil: O perigo de estar lúcida, publicado no final de 2023 com tradução de Mariana Sanchez, e A louca da casa, reeditado e relançado no final de 2024 com tradução de Paloma Vidal. Ambos são da editora Todavia.
Já escrevi sobre o primeiro livro aqui na newsletter (na verdade, mais sobre o exercício analítico que o livro me proporcionou do que sobre a obra em si) na edição Escrita & Insanidade, e vocês podem conferir o outro lado da moeda na conversa que saiu, disponível aqui no site do jornal Rascunho. Para os curiosos, mas receosos, vale ressaltar que a escritora comenta sobre a importância que narrar tem para na vida das pessoas, discute sobre loucura, criatividade, feminismo, o futuro e seus medos.
Acho interessante a leitura que ela tem sobre como a vida depende da forma como contamos a vida e também do ímpeto de romper com o conceito da normalidade. Vale a leitura.
(P.S.: Os links do Substack em alguns dispositivos e aplicativos estão dando problema. Se aparecer algum texto sublinhado, mas hiperlink, recomendo abrir no navegador ou no e-mail para conseguir clicar sem problema porque há um link ali.)
2.
Aos que acompanharam a jornada na edição passada, terminei o desafio de leitura do Goodreads! Dessa vez, foram três bons livros que me fizeram companhia.
O primeiro deles faz parte da categoria “Her Story” (História Dela) e, como é possível supor, trata de livros que valorizam histórias e autorias femininas. Li Aos prantos no mercado, de Michelle Zauner. É um livro de não ficção que vai tratar do luto da autora após a morte da mãe, vítima de um câncer grave. Em primeiro lugar, gosto de como a Zauner trabalha com a memória. Acompanhamos momentos do passado e do presente para conhecer a infância de uma garota filha de uma mãe coreana e um pai estadunidense. Nascida nos EUA, vemos a relação dela com os pais, seus valores e costumes, os padrões estéticos e de comportamento que precisa enfrentar e como é construída uma cadeia complexa de afetos entre a família.
Zauner faz uma construção complexa das personagens. Há um incômodo frequente que tenho com livros de não ficção que é a construção da narrativa em um encadeamento lógico, como se o presente fosse uma construção óbvia e inevitável do passado.
Não é difícil pensar em uma cena típica como a de um narrador analisando a foto do biografado quando criança com uma interpretação profunda e caricata: “Ah, porque conseguimos ver nos olhos de Adolf Hitler aos três anos de idade um olhar de maldade. Ele que, aos cinco anos, arrancou as patas de uma formiga e ficou assistindo ela se arrastar… seria o mesmo sentimento que teria trinta anos depois”. Olha… Não.
Em Aos prantos no mercado, não temos esse problema. Zauner constrói retratos complexos sobre a vida da mãe e do pai, não esconde situações violentas e hostis, nem diminui as cargas positivas ou procura justificar questões problemáticas. Tampouco encadeia os acontecimentos, culpas e consequências como algo inevitável. Faz um retrato do luto (com algumas gotas de culpa) através das memórias com a mãe e coloca nesse caldo sua relação com a culinária coreana! Outro ponto de destaque do livro. Para quem tem uma relação bastante íntima com o ato de cozinhar, acho que o livro vai ressoar bastante. Muito bom.
O segundo faz parte da categoria “Essential Reader” (Leitor Essencial). Assim como a categoria anterior, é uma categoria que quer valorizar vozes específicas e, como foi liberada no mês de março, está relacionada às autorias negras recentes em vários gêneros. Escolhi uma coletânea de contos de terror que já estava na minha lista há algum tempo chamada Quem vai te ouvir gritar?: uma antologia de horror negro, organizada pelo Jordan Peele, publicada pela Suma e com tradução de Carolina Candido, Gabriela Araujo, Jim Anotsu e Thaís Britto.
A coletânea traz 19 autores muito bons e aclamados, como N.K. Jemisin (A Quinta Estação), Nnedi Okorafor (Binti), e P. Djèlí Clark (Ring Shout: Grito de Liberdade), mas muito deles ainda sem tradução no Brasil — o que já diz algumas coisas, né, risos. Apesar de ter curtido a leitura, sinto que grande parte dos contos não traz o melhor do que os autores têm a oferecer, mas acho que tem coisas muito interessantes ali. Faço um destaque para os seguintes contos:
Olho imprudente, de N.K. Jemisin, traz uma nova dimensão pra violência policial quando um dos personagens começa a ser observado pelos faróis de um carro… até que os olhos estejam em todos os lugares;
Cintilação, de L.D. Lewis, mostra um fim do mundo curioso e BASTANTE desesperador, principalmente para quem gosta de videogames e/ou ambientes virtuais;
A mulher Obia mais forte do mundo, de Nalo Hopkinson, foi um conto que li e que cresceu bastante nos dias depois da leitura, acho que tem imagens e questões muito boas apresentadas que continuaram comigo;
Esconde-esconde, de P. Djèlí Clark, mostra uma narrativa curiosa de uma família de duas crianças e uma mãe que são tradicionalmente envolvidos com mágica, mas terminam em uma espécie de brincadeira macabra;
História de origem, de Tochi Onyebuchi, tem uma proposta narrativa bastante curiosa em comparação com os outros contos e discute, também, a presença e ressentimento da branquitude nos últimos anos.
Por fim, li um livro que me deixou empolgado e fascinado no começo de março foi Tress, a garota do mar esmeralda, de Brandon Sanderson. Parte da categoria “Epic Quest” (Missão Épica), escolhi uma fantasia que já estava há tempos no meu radar.
O livro conta a história de Tress, uma garota que mora numa ilha minúscula, repleta de pedras e cercada por um mar verde de esporos e que se vê obrigada a embarcar numa aventura após uma promessa de salvar o amor de sua vida. Logo será obrigada a confrontar algumas coisas de sua personalidade tímida para aprender coisas muito radicais e intensas, como perguntar aquilo que precisa saber, compreender que tem desejos pessoais diferentes dos das outras pessoas e atender as próprias necessidades, mesmo que isso envolva incomodar um pouco outra pessoa. Em certo momento, descobrimos que ela fez o que há de mais importante a ser feito num livro de aventura: viu uma situação, pensou & refletiu até entender que era preciso aguardar e ter mais informações antes de chegar a conclusões precipitadas! É ou não é a mais brutal de todas as piratas?
O livro tem um tom bem humorado e vai trabalhar isso com um narrador engraçado, ainda que um tanto caricato (mas ele foi alvo de uma maldição terrível, tenham paciência), e com figuras de linguagem muito curiosas. Queria destacar duas partes. A primeira é a descrição de que Tress era uma garota tão cautelosa que era do tipo que usava luvas para tirar uma panela do forno mesmo horas depois dele ter desligado. A outra envolve o pai dela, Lem. Descobrimos que ele é um senhor manco, que não consegue trabalhar muito, mas ajuda todas as pessoas sem exigir nada em troca. Quando descobre que sua filha precisa de ajuda, ele vai cobrar alguns favores e faz isso da forma mais curiosa possível: fica a noite inteira relembrando situações. O narrador conta que Lem queria tanto uma ajuda que quase chegou a pedir. Gostei muito da leitura, que faz parte do universo de Cosmere do Sanderson… fica a recomendação.
2.1.
Sempre quis ler Anne Carson para compreender mais algumas possibilidades de escrever ensaios e coisas do tipo. Mês passado li Falas Curtas (Ed. Relicário, trad. Laura Erber e Sergio Flaksman), um livro de poemas em prosa com toques ensaísticos. Acho interessante como é uma forma de escrita que desafia alguns gêneros e faz uma das coisas mais difíceis da literatura: consegue parecer simples, ainda que não seja.
Carson faz uma proposta de quebrar a ordem narrativa tradicional, que a gente vê no desenvolvimento do pensamento ocidental, a lógica dos três atos e o progresso: começo > desenvolvimento > conclusão. Debate ali, também, o processo criativo por trás de vários artistas (com um dos ápices, para mim, sendo o pensamento sobre Van Gogh e a dor dos pregos que põe cores nas coisas). Lemos eles para o Clube de Leitura 30:MIN de 2025 e você pode conferir o episódio.
Também li para o Clube de Leitura 30:MIN o primeiro volume do quadrinho Aya de Yopougon, escrito por Marguerite Abouet e Clément Oubrerie, com tradução de Julia da Rosa Simões e publicado pela L&PM. O livro conta a história de um trio de amigas que mora na Costa do Marfim e debate suas questões sobre o futuro na carreira e nos relacionamentos. (E acho engraçado que a obra quer se vender como uma narrativa que fala da África sem cair no estereótipo da pobreza e da miséria, mas unifica a narrativa da Costa do Marfim como A ÁFRICA.)
De qualquer forma, é uma história leve, rápida e com um traço bonito. Não compreendo a escolha de dividir a narrativa em vários volumes curtos, ao invés de uma produção única e com outro tipo de papel na impressão, porque chega a ficar difícil destacar as questões que são levantadas e pouco desenvolvidas na narrativa pelo espaço dado. Mas conseguimos vislumbrar questões de uma menina que quer ser médica, outra que fica grávida, repressões de desejo numa comunidade bastante intimista e coisas do tipo.
Ainda não temos episódio no podcast, mas logo teremos.
Aliás, para quem se interessar, o próximo livro do clube é o Onde vivem as monstras?, de Aoko Matsuda, traduzido por Rita Kohl e publicado pela editora Gutenberg. É uma releitura de contos fantásticos japoneses valorizando figuras femininas. Espero que a leitura seja boa.
3.
Fazendo um tour breve sobre os filmes que vi. Participei de um noitão no cinema Belas Artes e vi Mickey 17, novo filme de Bong Joon-ho. Gostei. Existe uma discussão sobre crise climática, um Trump-Musk caricato, valorização de inteligências não humanas e um ótimo trabalho de Robert Pattinson. Tem personagens demais? Tem. Valoriza momentos que poderiam ser cortados? Sim. Mas é legal (principalmente se você for ver o filme que ele gravou e não o filme que você queria que ele tivesse gravado porque você adorou Parasita).
Na mesma noite, vi Os 12 Macacos, filme antigo com Brad Pitt e e Bruce Willis. Gosto da narrativa porque trabalha com paradoxos temporais, mudanças e coisas inevitáveis. Tenho pouco a falar porque já estava com um bocado de sono (até que dormi no terceiro filme, mas não vem ao caso).
Também chegamos ao fim de mais uma temporada de Severance (ou Ruptura) e agora tenho sextas-feiras consideravelmente mais tristes. Achei interessante como a série tem confiança no que está construindo e deu respostas a VÁRIOS dos mistérios criados nos episódios anteriores e concluiu muitas pontas soltas para abrir um novo espaço (claro, optando por amplificar as questões existenciais ao invés da conspiração pura). Infelizmente, mais alguns anos para nós, no aguardo da terceira temporada. No meio tempo, quero escrever algumas outras coisas sobre trabalho.
Fazendo um parênteses, também li um texto sobre como as narrativas de doppelgängers (os duplos) voltaram, mas não da forma com que estamos acostumados. Não estamos nos assustando com as nossas sombras, não damos luz ao pior que há em nós. Há um outro recorte em andamento nas produções como Severance, Mickey 17 ou A Substância. Ainda estou pensando sobre o assunto para compreender melhor, mas achei um gancho interessante.
Assisti também a Um príncipe em Nova York, filme de comédia com Eddie Murphy ainda novinho, que é interessante, mas definitivamente feito para alguém da época dele. Não me parece passar em alguns testes do tempo… de qualquer forma, foi interessante.
Por fim, no campo das animações, terminei a primeira temporada de Solo Leveling. Até agora, estou gostando, mas sem esperar grandes coisas. Mais uma narrativa de desenho de ação em que o protagonista consegue tudo se ele se esforçar bastante e pode conquistar o mundo (e todas as gatinhas) se continuar suando e ficando gostoso.
O capitalista meritocrático versus o nobre que nasceu com poderes de sangue, quem ganhará? Até agora, é isso que a primeira temporada propõe, mas alguns subtextos de fundo mostram que há desdobramentos e reviravoltas para vir. Se isso se concretizar, ficarei feliz. Comecei a segunda temporada, veremos.
4.
Por fim, fui convidado para a noite de abertura da exposição nova do Museu da Língua Portuguesa, organizada por Daniela Thomas e Caetano Galindo. Ouvi um pouco dos diretores e curadores e, depois, vimos a exposição.
Ela está belíssima! Intitulada Fala, falar, falares traça uma trajetória muito curiosa sobre… a fala. Desde a respiração, passando pela parte muscular e corporal, até os significados, sotaques, sons, particularidades linguísticas e como a nossa fala reflete questões culturais e sociais de forma bastante marcada.
Se você está por aqui, vale super a pena conferir, está linda.
Obrigado por ler até aqui!
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Outras produções estão disponíveis no meu site pessoal e você pode me ouvir falando de literatura no podcast 30:MIN.
Se quiser conversar, pode responder esse e-mail ou me encontrar no Instagram.
No último mês, eu:
Escrevi O louco sentido da vida ao lado de Rogério Pereira no jornal Rascunho, que é uma entrevista com a escritora Rosa Montero;
Participei do episódio: “30:MIN 525: Como você faz para ler não ficção?”;
Participei do episódio: “30:MIN 526: O que a literatura diz sobre Adolescência?”.
Nossa! Acabei de assistir novamente Um Príncipe em Nova York e lembro que nos anos 90 eu tive muita dificuldade em entender pq tanta gente adorava esse filme. Achei super chato mas eu tinha 6 anos quando o filme saiu e não entendia boa parte das referências . Tanto que nunca mais quis assistir até vc mencionar que viu, hehehe Acredito que parte do meu estranhamento na época deve-se exatamente a como o filme retratou pessoas negras, em posições de destaque, era algo que eu não estava acostumada a ver. Mas ao mesmo tempo que o filme valorizou a cultura negra ele caçoou em outros momentos. Ele tem um humor que a gente encontra em vários filmes da época mas que hoje geraria controvérsias em vários momentos. Apesar disso eu ri bastante assistindo novamente, me diverti e me pareceu pq o filme faz parte de uma autoafirmação em Hollywood de pessoas negras e de outras culturas que está em andamento até hoje.
Caramba, adorei as leituras do mês. Tenho ficado com o pensamento intrusivo de participar desses desafios do Goodreads, mas sou uma leitora tão lenta que desanimo um pouquinho. Enfim, esse texto foi uma delícia de ler; você me instigou bastante e a pilha de livros só cresce 🤭. Sobre Tress: esse livro é o meu amor; senti um carinho absurdo em cada página lida. 💚
Melhoras para o joelho e ótimo mês de abril. ✨️