Correnteza # Fevereiro/2025
algumas das coisas que correram na minha vida durante o mês de fevereiro — livros, jogos, filmes, podcasts, quadrinhos e notas aleatórias
Difícil enviar uma dessas edições no final de março, né? Quase pronto para mandar a próxima Correnteza, mas faz parte. Num geral, fevereiro foi morno. Não sei se foi a energia pré-carnaval, mas as primeiras leituras e filmes de março foram mais empolgantes do que a do mês passado… mas isso é assunto para depois!
Bom… não podemos desconsiderar a possibilidade de que ter feito muitas leituras só para ganhar as conquistas do Goodreads pode… talvez… com margens para dúvidas… ter algo a ver com o fato. Mas elas são uma gracinha. Olha só como cada trio forma uma imagem maior!
Enfim, falo mais sobre as leituras abaixo. Se você ainda não for inscrito, não deixe de colocar seu e-mail no botão abaixo para não perder nenhuma edição. Já estou preparando uma edição sobre o quadrinista Jeff Smith e seus dois trabalhos traduzidos: Bone e o lançamento RASL. Além disso, devo escrever outra Anêmona de Adônis sobre Trabalhos e Dias, de Homero. Caso seja, o botão também permite um upgrade na assinatura para apoiar e garantir a continuidade da Ponto Nemo — se preferir, também temos a página no Financiamento Coletivo no Catarse e a contribuição via PIX, no final do texto.
1.
Em fevereiro, saiu outra matéria que escrevi para a revista Pesquisa FAPESP. Dessa vez, foi sobre a onomástica — ou seja, o estudo de nomes. E de todo tipo. Nome de lugar, de teatro, de rua, de estação, de etnia, de gente, de bicho, de coisa… Foi um processo que me deixou reflexivo sobre os motivos pelo quais as coisas têm determinados nomes e qual foi o caminho social & histórico para chegar lá.
Além disso, os nomes são patrimônios culturais imateriais frequentemente ignorados, poucos pensados em políticas públicas de preservação, visto, por exemplo, no fato de que edifícios têm nomes vendidos, línguas nativas são exterminadas e pouco entendemos na formação de nomes tipicamente brasileiros.
Lembro que, há um certo tempo, fui procurar sobre os nomes das ruas e bairros próximos de casa e encontrei uma pesquisa que explicava o processo de formação da região, sobre os imigrantes italianos operários, as relações de poder que tinham aqui e visível como tudo isso se reflete por aqui até hoje… enfim, você conferir a matéria completa aqui e ver um pouco sobre o assunto.
2.
Começando as leituras do mês, fizemos a produção de uma pauta para o 30:MIN para um episódio chamado Sísifo e o fim da escala 6x1. Para isso, li Trabalhos e Dias, de Hesíodo, e Sísifo: Vida, morte e renascimento através do arquétipo da repetição infinita, de Verena Kast. O primeiro é bastante curioso. Li para ver como o trabalho era visto na época, e mistura outras questões sociais — mas deixo para falar sobre isso na Anêmona de Adônis 4.
Agora, o livro da Verena Kast… bom, ele é uma releitura neoliberal do mito do Sísifo. Ignora alguns pontos cruciais da narrativa para fazer interpretações psicológicas que escapam ao ponto crucial de Sísifo. Aproveita-se da abertura simbólica de releitura de mitos e confunde ritual com repetição vazia, distorce a natureza da punição e da liberdade e parece que o único propósito dela é esterilizar todas as reflexões de Camus e transformá-las em um guia prático. Mas a discussão do episódio ficou bem bacana. Recomendo.
2.1.
Também terminei a leitura (que estava fazendo em pequenas doses) de Latim em Pó, livro de Caetano Galindo, bem a tempo do próximo lançamento. Aqui, ele faz um trajeto muito bacana para mostrar a construção da língua portuguesa (brasileira?) ao longo de séculos de história e transformação, ao mesmo tempo em que traz conceitos importantes de linguística, como, por exemplo, uma aproximação bacana com o dialogismo ou até mesmo explicar a parte social das línguas e a construção de línguas crioulas pelo mundo.
Fiz essa leitura há um tempo e até agora fica ecoando.
2.2.
Agora a coisa fica… interessante. Para os desafios do Goodreads, fiz duas leituras. A primeira, para a categoria “Sweet & Spicy” (ou Doce & Picante), envolvia escolher qualquer livro dentro da seleção que o site fez com histórias de amor de diversos tipos — fantasia, romance adolescente, acadêmico, espore, velho oeste, realista, etc. Escolhi Quarta Asa, de Rebecca Yarros, pra tentar entender um pouco desse fenômeno editorial.
É um romance adolescente entre Violet Sorrengail, a caçula de uma militar de alto cargo que deveria entrar na Divisão dos Escribas mas acaba treinando entre os cavaleiros de Dragão, e Xaden Riorson, o líder implacável, poderoso, filho do traidor e (supostamente) inimigo jurado de Violet. (Como você deve imaginar, são o casal destinados a ficar juntos.) Me incomodei com algumas coisas grandiloquentes do mundo: são sempre centenas de dragões, de anos de guerra, poucas pessoas entram e muitas morrendo todos os dias durante o treinamento (mas não podem morrer em combate exercendo a função), a protagonista é excepcional em tudo que vive — ainda que a descrição da escritora e as ações da personagem não entrem em sintonia. Enfim. Acho que tem coisas bacanas, mas não me pareceram tão interessantes assim…
Já pro categoria “Era Explorer” (Explorador de Eras), a seleção tinha diversas ficções históricas. Como também estava curioso com Hamnet, de Maggie O’Farrell, fui nele. O livro conta a história da morte do filho de Agnes e Shakespeare, Hamnet, que morre vítima da peste e, anos depois, vira inspiração para o texto de Hamlet. Me incomoda um pouco como os romances realistas, em sua maioria, usam algumas figuras de linguagem pra criar um texto ~poético e simbólico, mas superficial. Hamnet não foge do caso. Justiça seja feita, é um bom livro. Gosto, principalmente, das cenas em que Agnes prepara o corpo do menino e, do final, quando vê uma das apresentações de Hamlet. (Ah, antes que eu me esqueça, a ideia de omitir o nome de Shakespeare é curiosa. O’Farrell parece que quer colocar o dramaturgo em inglês no mesmo espaço de representação de mulheres em outras narrativas histórias, mas seria melhor se ele ficasse em segundo plano de verdade e não aparecendo o tempo todo.)
2.3.
Agora… o problema de uma adaptação bem feita é que você sempre vai com muita sede para a outra obra, né? Se você vê o filme primeiro, vai com altas expectativas pro livro e vice-versa. Então, se críticas sobre as representações de classe já apareceram em diversas respostas ao filme, imagino seriam se fosse com o livro de Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva.
Contando a história da relação com seus pais na infância, do sumiço e assassinato do pai durante a ditadura e o Alzheimer da mãe na última parte, o escritor faz um retrato bastante íntimo, pessoal sobre as vítimas da truculência militar e a militância de Eunice Paiva. E, antes de continuar, vamos deixar claro que todos os elogios são merecidos: é um livro sensível e uma documentação importantíssima para a história do Brasil. Mas acho que algumas coisas merecem ser mencionadas: Marcelo Rubens Paiva mostra de maneira bem direta como a família dele fazia parte de uma certa elite, com menções a pessoas que frequentavam a casa, com trechos de “somos muito italianos” e “minha mãe é magra e culta e eu jamais casaria com ela e, quando teve atualizações do meu pai, estava esbelta, bronzeada, nadando…”.
Além disso, ao mostrar como a mãe era uma ativista importante para os direitos indígenas, fala sobre diversos intelectuais que frequentavam a casa, mas usa uma terminologia ainda um tanto defasada, com direito a “Descobrimento do Brasil”. Enfim, todos os méritos da narrativa são aplicáveis, sim, e a leitura de Ainda estou aqui vale muito a pena, mas essas questões me incomodaram um bocado durante a leitura e senti que precisava compartilhar para afinar as expectivas.
2.4.
Por fim, li o primeiro volume da edição colorida e traduzida publicada pela editora Todavia de Bone, quadrinho de Jeff Smith que conta a história de Fone Bone e seus irmãos trapalhões depois de serem expulsos de Boneville e irem parar numa floresta repleta de mistérios, dragões, monstros e… corrida de vaca.
Como disse, quero fazer uma edição mais completa sobre o autor para falar de Bone e o próximo lançamento de obra traduzida, RASL, mas posso dizer que achei o primeiro volume bem-humorado e estou ansioso para descobrir onde essa aventura vai parar, já que alguns temas mais pesados foram introduzidos ao longo do volume. Estou ansioso para a próxima edição.
3.
Em outro tópico, queria dizer que vi menos filmes do Oscar dessa vez. Vi Anora e Wicked mês passado. Achei a cerimônia ruim, as reações odiosas contra Mikey Madison me pareceram exacerbadas e agressivas e quase não coloco nada aqui. Mas fico feliz de Emilia Perez ter perdido tantos prêmios, apesar do constrangimento no momento da premiação de melhor canção. No mais, gostaria de ressaltar:
4.
Pra encerrar, importante falar que terminei de Coffee Talk, um jogo em que você serve bebidas para seus clientes enquanto ouve questões e dramas cotidianos sobre trabalhos, relacionamentos, propósitos, sonhos e hobbies. Qual a bebida aconchegante ideal? Cabe a você prepará-la. É um jogo bastante relaxante e bem envolvente. Gostei.
Além disso, voltei a jogar o jogo Wingspan, em que você cria um santuário de pássaros, e também tive chances de jogar Root, um jogo de dominação com animaizinhos, e Wyrspan, a semelhança com o outro é porque, dessa vez, você cria um santuário de dragões, wyrms e semelhantes.
5.
Neste mês, também recebi algumas coisas bem bacanas:
Editora Harper Collins mandou mais uma edição da bela coleção da Agatha Christie, A extravagância do Morto, e este também está ótimo.
Como dito, a editora Todavia me enviou o primeiro volume de Bone e alguns lançamentos dos últimos meses, que são:
A Fábrica, de Hiroko Oyamada;
Cantagalo, de Fernanda Teixeira Ribeiro;
Alguém sobrevive nessa história, de Felipe Poroger;
Perifobia, de Lilia Guerra;
O louco do Cati, de Dyonelio Machado.
Devo ler A Fábrica para escrever sobre Ruptura e trabalho. Talvez passe na frente da edição sobre Bone… veremos.
Para o Clube de Leitura 30:MIN, também recebi Onde vivem as monstras, de Aoko Matsuda, da Editora Autêntica — e, para conhecer o lançamento, veio também Quando as mulheres eram dragoas, de Kelly Barnhill.
Foi a Cia. das Letras que me mandou o Ainda estou aqui que citei na resenha.
Obrigado por ler até aqui!
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Outras produções estão disponíveis no meu site pessoal e você pode me ouvir falando de literatura no podcast 30:MIN.
Se quiser conversar, pode responder esse e-mail ou me encontrar no Instagram.
No último mês, eu:
Escrevi a reportagem Nomes próprios, como os de pessoas e lugares inspiram estudos da onomástica para a Revista FAPESP;
Participei do episódio: “30:MIN 518: Oração para desaparecer, de Socorro Acioli”;
Participei do episódio: “30:MIN 520: Sísifo e a escala 6x1”;
Participei do episódio: “30:MIN Entrevista: Bruna Maia”;
Participei do episódio: “30:MIN 523: Falas Curtas”;
Participei do episódio: “30:MIN 524: O que é um livro bom?”.
Indo agora mesmo ler o seu texto sobre onomástica. Semana passada, numa aula, meu professor ressaltou a importância da onomástica para a leitura das obras de Machado de Assis, então vai ser incrível ler o seu texto nesse momento.
Cara, Quarta Asa não é nada demais, mas é meu guilty pleasure purinho, fantasia militarista hahahaha. Não e muito profundo, assim como a sequência, mas me diverte demais!
Uma parada maneira do livro, que acredito que ninguém repare muito, é que temos uma protagonista com deficiência, né? Essa trilogia é até bem inclusiva nesse sentido, povo usa a língua de sinais com naturalidade e tudo.
De resto, farofada! Mas é uma boa farofa (pra mim hahaha)