Correnteza # Abril/2025
algumas das coisas que correram na minha vida durante o mês de abril — livros, jogos, filmes, podcasts, quadrinhos e notas aleatórias
Sempre esqueço como formatar o começo das edições… às vezes, coloco a lista de assuntos. Outras, faço um resumo da vida. Nunca lembro como prefiro. Além disso, também estou com rascunhos na gaveta, esperando o fim dos feriados para regularizar a publicação, mas com medo de não conseguir retomar a regularidade. Caos!
(Vale ressaltar ficou significativamente mais difícil escrever nas horas vagas desde que comecei a jogar Clair Obscur: Expedition 33, porque só quero pensar nisso nas minhas horas vagas.)
De qualquer forma, esses dias voltei a ler as edições de
, newsletter da , e achei a diagramação tão bonita. Resolvi fazer um mix com o formato antigo dessas edições com a diagramação dela — mas fica o convite para vocês irem ler também o que ela escreve por lá. Também me digam se funciona a leitura para vocês, porque quero padronizar esse formato.Hoje teremos:
Algumas coisas sobre dinossauros (e observação de dinossauros);
Quadrinhos, crônicas, contos e romances;
Um livro-jogo (precedido por livros-livros e sucedido por um jogo-jogo);
Noitão Heath Ledger;
& dois minutos de acréscimo.
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:.: DINOSSAUROS :.:
Eu evito colocar aqui as obras contínuas que ainda não terminei, mas, nesse caso, queria compartilhar um mangá que comecei e achei muito interessante: Santuário dos Dinossauros — saindo aqui pela editora MPEG com tradução de Erika Tanaka.
Escrito e desenhado por Itaru Kinoshita, a história se passa em um Japão onde os dinossauros foram recriados e passaram a viver em zoológicos, cuidado por equipes especializadas em recriar os espaços ideais que foram extintos junto com os animais há muitos e muitos anos.
Apesar de parecer bastante com Jurassic Park na premissa, não é uma história de ação, aventura e sensacionalismos. O que vemos é a rotina da equipe de cuidados que precisa lidar com perrengues como: cuidar da musculatura do joelho de um dos animais, procurar formas para alcançar a temperatura adequada para a incubação dos ovos enquanto o ar-condicionado está quebrado e atrair mais visitantes para um triceráropo machucado, antes que ele seja vendido para outro parque.
Soma-se a isso o fato de que a publicação conta com a supervisão de um doutor em paleontologia, Shin-Ichi Fujiwara, que auxilia na representação de dinossauros mais “precisos” e escreve miniensaios bastante acessíveis (já que crianças mais velhas devem ler a história) para quem quer se aprofundar nas questões tratadas no capítulo.
Achei uma narrativa muito boa e estou ansioso para os próximos volumes.
:.: MAIS DINOSSAUROS…? :.:
Quase na mesma editoria, comecei a escrever uma edição sobre minha relação com as aves. Sempre gostei de observar pássaros. Não de forma sistemática, não sou nenhum tipo de ornitólogo amador, não conheço hábitos, personalidades, costumes e nem identifico pelos cantos.
Mas gosto de pensar que conheço os pássaros que vivem pelo bairro. Da mesma forma que vejo as pessoas que caminham por aqui e suas rotinas, sei que é comum encontrar sabiás-laranjeira , um pássaro marrom com peito alaranjado, e que as pequenas maritacas que ficavam perto do parque têm desaparecido. Também é difícil não reconhecer o pássaro de peito amarelo, costas marrons e a cabeça branca com cabelo e uma faixa pretos com o tão marcado canto que diz “bem-te-vi” — até porque dois filhotinhos nasceram e agora chegam no quintal para pedir comida (e, quando ninguém vê, Romã, minha gata branca, passou a chamar as pessoas e avisar).
De qualquer forma, no último mês, as árvores que ficavam na frente da minha janela e eram meu ponto de observação foram podadas. Agora, minha única visão é a dos esqueletos das árvores e da fachada de um conjunto de prédios altos… também temos pássaros que teimam em continuar por aqui, pousados no poste perto dos troncos.
Sinto saudades, é claro, mas como aqui não é espaço para falar do luto das árvores, quero dizer da feliz coincidência de ler, quase na mesma época, o que a escritora e pesquisadora Lis Vilas Boas publicou em uma edição de sua newsletter, Luas e Marés, falando sobre o incômodo que sentiu ao procurar um documentário contemplativo sobre animais (e não ter encontrado).
Em sua busca, Lis achou narrativas repletas de acontecimentos, com trilhas, objetivos, narrações & heroísmo, mas nenhum documentário como aqueles tão conhecidos dos canais de TV à cabo:
Esses dias eu andava com saudade delas, de ficar pensando e admirando, então parei pra ver um documentário sobre orcas na costa da África do Sul. Fiquei triste. Quase uma hora inteira de informações resumidas demais e cortes repetitivos de segundos com trilha sonora inflamada para nos fazer prestar atenção numa história montada por um editor humano e que não existe, tão ficção quanto os livros na minha estante. Não preciso do tal do story telling, poderia ficar horas vendo orcas e vários outros bichos “fazendo nada”, e gostaria que as outras pessoas não precisassem também.
Cada vez mais, o ser humano vem se tornando um mal observador. Da natureza, da vida, de si mesmo. Não quer ver, não quer escutar. Quer apenas se entreter, quer espelhos por toda parte, inclusive no mundo selvagem.
… e o texto continua numa reflexão muito interessante sobre a comunicação das cachalotes, até traçar uma relação entre a capacidade de observação & a necessidade de comunicação dos seres vivos & a possibilidade de comunicação entre as diferentes espécies através dessa abertura para o contato.
Sinto que, com a poda das árvores, perdi um pouco desse contato. Dessa possibilidade de ver os pássaros criando seus ninhos, das interações entre as diferentes espécies, dos que morrem e dos que vivem. Lembro de uma época em que filhotes estavam nas árvores e ouvíamos gritinhos agudos ao longo do dia inteiro.
Por conta dessa perda, resolvi começar a leitura de A inteligência das aves, de Jennifer Ackerman (editora Fósforo, trad. Reinaldo José Lopes e Tania Lopes). Logo no começo, Ackerman descreve a importância da observação para compreender a inteligência das aves.
Como experimentos programados correm certos riscos, não só de manipulação, mas de testes que servem apenas de acordo com padrões e ambientes criados por humanos, cientistas têm se prestado a avaliar as capacidades intelectuais das aves a partir da observação de como se adaptam e são capazes de resolver problemas no próprio habitat — com exceção das corujas, que são noturnas e envolvem outro tipo de problemática. (Imagino que seja por esse motivo que seu lançamento mais recente se chama A sabedoria das corujas.)
Devo voltar a falar dos dois livros com mais profundidade nas próximas edições, mas é importante destacarmos algumas das coisas que Ackerman nos diz. A primeira delas é que “aves aprendem. Elas resolvem novos problemas e inventam soluções inovadoras para problemas antigos. Criam e usam ferramentas. Sabem contar. Copiam comportamentos umas das outras. Lembram-se de onde colocaram suas coisas”.
A capacidade da sua inteligência vai muito além do que a expressão “cérebro de passarinho” deixa entrever. A memória de algumas espécies, às vezes, envolve áreas enormes e é bastante complexa sobre onde colocaram as coisas (e até, em certos casos, onde outras espécies deixam coisas). A cópia dos comportamentos também pode significar um aprendizado hereditário de um canto herdado.
Agora, cientistas que Ackerman acompanha querem saber se as aves também têm a capacidade de insight (a capacidade de resolver um problema sem precisar passar pelo processo de tentativa e erro, mas encontrar uma solução ao simular o problema e sua solução mentalmente).
No primeiro capítulo, a pesquisadora descreve essa situação complexa de avaliar a inteligência de outras espécies que não as humanas. Já em Darwin, em The descent of man (A descendência do homem, em tradução direta), temos a compreensão de que os humanos e os outros animais se diferem em seus poderes mentais não pela natureza do que fazem, mas no grau de suas capacidades.
O que é curioso, já que, até hoje, há um grande duelo entre duas frentes: as que visualizam os outros seres quase exclusivamente pelo filtro das vivências humanas e os que, assustados, ocupam o outro lado. Como explica Ackerman, o primatólogo Frans de Wall chamou essa “cegueira diante das características humanas em outras espécies” de antroponegação. Já que, “por mais tentador que seja interpretar o comportamento de outros animais por meio de analogias com processos mentais humanos, talvez seja ainda mais tentador rejeitar a possibilidade de parentesco”.
A coisa não fica mais fácil que, além da dificuldade de hibridizar os reinos, estamos sempre pensando e validando essas questões a partir do que nós, humanos, vemos e entendemos como inteligência. É um limite que jamais poderemos ultrapassar.
É um pouco do que discutimos na edição Tinta de polvo em tabuleta de pedra ao falar sobre as comunicação e arte possíveis em espécies não humanas, usando como base o conto A autora das sementes de acácia e outras passagens da Revista da Associação de Therolinguística, escrito por Ursula K. Le Guin (trad. Gabriel Cevallos, Kino Beat), e a Autobiografia de um polvo e outras narrativas de antecipação, que Vinciane Despret (trad. Milena P. Duchiade, editora Bazar do Tempo).
Ao buscar a compreensão sobre o que é a inteligência das aves e como podemos construir um termo amplo o suficiente, Ackerman aponta uma virada importante ao trocarem os laboratórios e exercícios simulados para a observação dos animais resolvendo resoluções de problemas em suas rotinas normais.
(Uma matéria que li recentemente fala sobre isso com outro grupo de animais. Em A renascença reptiliana (em inglês), cientistas apontam como a inteligência dos répteis também foi subestimada por muito tempo… e parte disso pela estruturação dos exercícios. Por exemplo: ambientes com iluminação e temperatura inadequadas prejudicam o resultado dos testes, assim como montar testes cognitivos cuja motivação é comida, quando répteis tem um metabolismo lento e hábitos irregulares de alimentação. Algumas “cobras, por exemplo, ficam meses sem querer comer depois de se alimentar de uma presa grande”. Agora, ao serem observados os hábitos dos répteis, suas verdadeiras capacidades cognitivas estão vindo à tona em novos estudos, deixando-os próximos das aves e mamíferos, com registros até de uso de ferramentas.)
De qualquer forma, sempre retomo a editora de coisas vivas e, como ainda estou no começo do livro, devo trazer próximas considerações. Gostaria de destacar que me parece cada vez mais evidente que respeitar a limitação da nossa compreensão e do nosso conceito de inteligência e observar está cada vez mais difícil. Há tempos, a contemplação é vista como um ato político contra a produtividade e o ritmo frenético do mundo, mas me parece que há também uma dimensão da contemplação como conexão e empatia com aquilo que se observa.
(P.S.: Ainda em tempo, gravamos junto com a
um episódio do podcast 30:MIN sobre como a literatura trata as outras formas de vida e a catástrofe climática no episódio Livros para adiar o fim do mundo e pode ampliar a discussão até as próximas edições.):.: QUADRINHOS :.:
Além do mangá sobre dinossauros, li outros quadrinhos em abril. Terminei Hell's Paradise, de Yuji Kaku (trad. Felipe Monte, ed. Panini). Aqui, acompanhamos a história de um grupo de criminosos condenados a morte e seus samurais executores que ganham uma segunda chance: aqueles que visitarem uma ilha misteriosa e voltarem para a capital com o elixir da vida eterna serão perdoados.
Acompanhamos como o grupo vai construindo laços e refletindo sobre as questões espirituais da ilha conforme desembarcam na ilha e são surpreendido por monstruosidades violentas e por um cenário de hibridismo completo, seja no fato de que as flores são meio humanas e que alguns humanos são meio árvores ou de que símbolos de diversas matrizes religiosas estão mesclados nas arquiteturas, palavras e encarnações monstruosas.
Talvez por isso um dos grandes trunfos desse mangá seja o desenho das paisagens e dos elementos compostos. Também acho que os personagens tiveram um bom desenvolvimento ao longo dos volumes, de forma que ficou cada vez mais interessante acompanhá-los — no entanto, me pareceu totalmente despropositado a presença da segunda expedição com samurais e shinobis, com exceção do aparecimento de um dos personagens. Infelizmente, as narrativas de ação exigem alguns elementos que deixam as histórias um pouco mais padronizadas.
Também li minha primeira história sobre o Homem-Borraca em Plastic Man No More (ed. DC Comics), escrito por Christopher Cantwell, ilustrado por Alex Lins e Jacob Edgar e colorido por Marcelo Maiolo.
Ali, acompanhamos a história de um herói em decadência, procurando formas de evitar sua morte iminente — ao mesmo tempo em que parece querer um pai melhor, apesar de continuar sendo um lixo. Vi algumas resenhas que não curtiram o desenvolvimento do personagem porque não há possibilidades de criar empatia, mas, como meu primeiro contato, não tive esse problema… só que, se ele não for esse lixo, aí, realmente…
Também li Ronin, gibi do Frank Miller (trad. Bernardo Santanda, Pedro Catarino e Leonardo Camargo, ed. Panini) que conta a história de um Ronin reencarnado e perdido em um futuro cyberpunk com demônios e biotecnologia tentando cumprir seu destino. Acho legal como a corrupção, decadência são retratadas e como há uma mistura entre realidade & alucinação, entre passado & futuro. A arte combina bastante com o que é desenvolvido — apesar de a história dar uma acelerada logo no momento em que as questões secundárias se tornam mais interessantes.
Por fim, li Adeus, Eri, de Tatsuki Fujimoto (trad. Felipe Monte, ed. Panini), o mesmo autor de Chainsaw Man. Aqui, um cineasta amador adolescente filma a vida da mãe, vítima de uma doença terminal, a pedido dela: ela deseja que sua vida seja transformada em um filme para que sempre se lembrem dela.
As filmagens resultam em um curta experimental exibido para os colegas em uma mostra de artes. O filme é rejeitado, mas não sem esperanças: uma colega de sala se oferece para repetir a experiência e, dessa vez, atingir o ápice.
A organização da narrativa é bastante curiosa. Ficamos sem ter certeza sobre o que é a reprodução do filme e o que não é — ao mesmo tempo que, em segundo plano, rola a própria dificuldade do garoto de lidar com o luto e a morte (representada ali pela (in)capacidade de colocá-la na gravação). No entanto, “narrativa fantástica” aqui me parece dar margens para uma interpretação de escapismo... acho que a exploração desse recurso merecia um pouco mais.
:.: É JOGO OU É LIVRO? :.:
Também terminei a leitura de Murdle, livro escrito por G.T. Karber, publicado pela Intrínseca com tradução de Regina Lyra. A proposta é bem simples: um desafio de lógica, como os da revista Coquetel, mesclado com a história do detetive Logicus e suas investigações ao lado de Irratinus.
Ao longo do livro, os quebra-cabeças ficam cada vez mais complexos (seja porque possuem mais elementos, ou porque alguns suspeitos contam mentiras) enquanto você entra numa trama literária e cinematográfica bastante engraçada. As descrições de armas e locais são muito divertidas.
Adorei a brincadeira, e em algum momento devo pegar o segundo volume!
:.: É JOGO! :.:
Aqui é só uma nota breve: terminei de jogar Black Myth: Wukong. O jogo narra a história de um dos descendentes do Sun Wukong, o deus macaco. Acho que foi a minha experiência com um jogo parecido com um dos souls e achei interessante. Resolvi dar uma chance para outros jogos e baixei novamente Bloodborne (começar pela 3ª vez) e, quem sabe, jogar Elden Ring (já joguei algumas horas, mas parei. A falta de senso de urgência me pega demais).
Veremos meu avanço nos próximos meses.
:.: ALGUMAS LEITURAS :.:
Nos livro que li esse mês, terminei a Trilogia de Copenhague, uma autobiografia escrita por Tove Ditlevsen (trad. Heloisa Jahn e Kristin Lie Garrubo, ed. Cia. das Letras). Ainda não sei muito bem o que achei e fico receoso de ser anacrônico nas considerações. Mas, sinto que ela escreve a própria vida como se narrasse para si própria, como uma voz sussurrando de seu ombro, escrevendo o que escuta para compreender a própria vida.
Me faz falta uma presença mais forte da narradora, de alguém que critica, analisa ou comenta as informações. Ao mesmo tempo, sinto que Ditlevsen precisou percorrer esse caminho antes que vozes fortes como a de Ferrante chegassem onde chegou. Por isso, pela falta que sinto dessas narradoras, acredito que minha ânsia fica temporalmente deslocada.
De qualquer forma, a última parte, chamada Dependência, é brilhante. Muito bem escrita, apesar do momento e das dificuldades vividas pela autora. O texto adquire robustez e, paradoxalmente, a voz parece mais presente e consciente. Uma leitura bastante curiosa.
O livro de crônicas de José Falero, Mas em que mundo tudo vive? (ed. Todavia), era uma das minhas dívidas com o autor de Os Supridores, romance que tanto gosto. Aqui, ele reúne colunas publicadas em outros espaços no formato de livro e conta histórias de sua juventude, compartilha reflexões sobre a produção intelectual e artística (não só a literária, mas também questões de música) e discute problemas sociais com muita franqueza e até contradições intrínsecas à existência no capitalismo.
Também li Onde vivem as monstras, de Aoko Matsuda (trad. Rita Kohl, ed. Gutenberg), para o Clube de Leitura 30:MIN 2025. É uma coletânea de contos bastante interessante que se propõe a revisitar protagonistas femininas de narrativas tradicionais japonesas — com notas sobre a inspiração no final do livro que enriquecem bastante a leitura. São mulheres das peças de teatro (em sua maioria, kabuki), do folclore e outras formas orais, como o rakugo.
Os contos são bastante regulares, com dois ou três me parecendo mais fracos, e abordam as releituras de formas menos óbvias, valorizando o elemento monstruoso e sobrenatural e as possibilidades de existência na vida e além. Também é interessante como Matsuda faz uma espécie de costura entre todas as histórias até que, aos poucos, o aspecto episódico da coletânea se transforma em algo mais complexo e interligado.
Por fim, tive meu primeiro contato com o Uketsu, autor de Imagens Estranhas (trad. Maria Luísa Vanik, ed. Suma). Comecei a leitura esperando uma leitura de terror, mas encontrei uma história de investigação que parte de mensagens ocultas por trás de desenhos criados pelos personagens ao longo da narrativa.
Organizado em quatro capítulos (e uma introdução), Uketsu constrói um romance sobre uma série de assassinatos misteriosos cujas pontas vão se amarrando conforme os diferentes pontos de vista e temporalidades vão fazendo sentido para o leitor. Cada uma das partes é narrada a partir de um personagem e/ou temporalidade distinta e, aos poucos, uma imagem definida vai se mostrando dentro do complexo quebra cabeça.
Apesar de bem costurado e com a reprodução dos desenhos na edição, é bastante simplório no desenvolvimento dos acontecimentos, da linguagem e dos personagens. Chega a ser didático e repetitivo em alguns trechos, o que diminuiu a carga de tensão em um livro de suspense e torna a narrativa toda menos atraente.
:.: HEATH LEDGER :.:
Outra breve nota: caímos numa pequena maratona Heath Ledger aqui em casa. Numa dessas noites, sem saber o que assistir, vimos o clássico 10 coisas que eu odeio em você (uma comédia baseada no texto shakesperiano de A Megera Domada que, curiosamente, não envelheceu tão mal). Empolgados pelo charme e carisma de Heath Ledger, resolvemos emendar com Batman: O Cavaleiro das Trevas. Era mesmo um homem talentoso e belíssimo.
:.: AOS 45’ DO SEGUNDO TEMPO :.:
HA! Na semana em que estava fechando o rascunho dessa edição, duas coisas aconteceram. Assistimos ao filme Pecadores. Baita filme, minha gente! Uma narrativa que conta a história de dois gêmeos negros que roubaram a máfia e retornam para a comunidade onde nasceram para criar um clube de jazz na intenção de criar um espaço livre para seus companheiros; ao mesmo tempo, um jovem filho de um pastor quer perseguir seu sonho de se tornar músico, enquanto o pai quer afastá-lo desse caminho “demoníaco”; por fim, VAMPIROS são convocados pela habilidade musical do jovem e tocam o terror na noite de inauguração.
Retomando o que disse há uma ou duas edições, aqui temos MAIS UMA VEZ a figura do duplo no cinema. Comentei disso ao falar de Mickey-17 e, em Pecadores, temos um trabalho parecido. Começo a pensar que há algo nessa nova roupagem do duplo semelhante à figura do Diabo em O Mestre e margarida: se antes o duplo era uma parte negativa que devíamos combater ou repudiar, agora é uma versão que não somos orgulhosos, mas que precisamos compreender para viver em um mundo repleto de contradições e desigualdades.
Temos consciência das coisas ruins, mas somos incapazes de escapar da estrutura e resolver seus problemas (ao menos na escala individual). Sendo assim, não podemos contar com nossa bondade, mas verificar as potencialidades daquilo que não gostamos. Precisamos ser ruins porque sabemos que está tudo errado e temos que lidar com isso de alguma forma.
Não sei, é uma hipótese.
Além disso, preciso destacar alguns momentos que abalaram meu coração: (1) a cena em que descobrimos a magia musical do jovem Samuel e temos uma sequência repleta de ancestrais e outras figuras durante sua apresentação; (2) o momento em que o vampiro também faz seu sapateado irlandês do lado de fora, repleto de seguidores; (3) quando dois personagens recitam o Pai Nosso e discutem a colonização cristã na beira de um lago, emulando uma espécie de batismo; (4) um momento em que um dos personagens está entre dois mundos, com cigarros e bebês.
No mais, assistam.
Também li, em um domingo, o livro A Fábrica, de Hiroko Oyamada (trad. Jefferson José Teixeira, ed. Todavia). Numa linha muito parecida com a série Ruptura, conhecemos uma Fábrica que é responsável por quase tudo que há numa cidade pequena. Dos produtos de limpeza a veículos e moradia, A Fábrica cria produtos, empregos e empresas terceirizadas que movimentam a região.
Aqui, acompanhamos três personagens que passam a trabalhar na Fábrica e nos apresentam um pouco de sua rotina. Vemos que a Fábrica é enorme, maior do que a pequena cidade. Possui bairros para moradia, supermercados, diversos restaurantes, pontos de ônibus com várias linhas e uma ponte gigantesca que cruza um rio — tão grande que, na metade do trajeto, não é possível ver nenhuma das duas extremidades.
Além disso, os três personagens têm funções estranhas em departamentos esquisitos depois de passar por processos seletivos ainda mais controversos. Uma das personagens é responsável por passar oito horas por dia fragmentando papéis em um setor com diversas fragmentadoras, ao ponto de que, se uma delas esquentar, é preciso passar para a próxima. Seu irmão mais velho trabalha no setor de revisão, marcando documentos já revisados anteriormente e que, curiosamente, voltaram com mais erros. Por fim, um dos cientistas (contratado antes mesmo da entrevista), é responsável por pesquisar os musgos da região e projetar como criá-los nos telhados dos prédios.
Com a história dos três personagens, a narrativa faz a dois movimentos: ou vemos a sensação de estranhamento e distanciamento que o trabalho gera, ou temos uma construção da relação híbrida entre a Fábrica, seus funcionários, sua região e os animais que habitam ali.
Numa linha que lembra bastante os romances de Jeff Vandermeer, como em Borne ou em Aniquilação, Oyamada constrói contaminações entre os pássaros pretos, os roedores, as lagartixas das lavanderias e todos os outros humanos que habitam aquelas ruas, e o desenvolvimento da temática constrói um quadro complexo sobre os fluxos da vida e do trabalho naquele lugar.
:.: LINKS :.:
Dois links rápidos para indicação
Voltei a organizar minha rotina de estudos de japonês e descobri um poema que coloca todos os sons do alfabeto hiragana, com exceção do ん /N/, que ainda tinha o mesmo som que o む /MU/. Ele chama Iroha e foi atribuído ao Kūkai, mas há controvérsias…
Além disso, achei bastante interessante o texto da
sobre como analisar as coisas na internet. Vale a leitura.
:.: RECEBIDOS :.:
Editora Mundaréu mandou três livros maravilhosos para mim. Recebi o último livro de José Donoso, O lugar sem limites (trad. Lucas Lazzaretti). Gosto muito de O Obsceno Pássaro da Noite, ansioso para conhecer esse e ver tudo que eles vão trazer do autor. Também recebi A Bomba, ensaio de Howard Zinn e traduzido por Bruno Cobalchini Mattos e que fala sobre o uso das bombas atômicas e parece bastante interessante. Por fim, também recebi Solenoide, livro de Mircea Cartarescu, traduzido do romeno por Fernando Klabin. Eu já estava lendo Nostalgia, coletânea do mesmo autor, mas vou parar e devorar esse romance antes;
Mês passado, falei da exposição sobre linguagem no Museu da Língua Portuguesa e, agora, recebi o novo livro de Caetano Galindo: Na ponta da língua. Aqui, a pegada é mais voltada para e etimologia, mas sem perder o bom humor e as leituras sociais tão marcadas nos seus estudos;
Também recebi o livro escrito por Keanu Reeves e China Miéville, o livro de algum outro lugar (trad. Fábio Fernandes, ed. Jangada), que se passa no mesmo mundo dos quadrinhos de BRZRKR, de Keanu Reeves, Matt Kindt e Ron Garney. Vou conhecer um pouco do universo e logo trago considerações pra vocês, mas gosto bastante das duas autorias e espero que seja uma leitura prazerosa;
Por fim, a Tinta-da-China também enviou dois livros interessantíssimos: Cartas de Amor, de Fernando Pessoas, e Coisa que não edifica nem destrói, de Ricardo Araújo Pereira. No primeiro, temos cartas de amor do Fernando Pessoa — com direito a voz de bebê, mulheres chamando-o de velho tonto dramático e desculpas esfarrapadas que beiram o “foi mal, não foi eu, foi meu eu lírico”. Como as outras edições da Tinta-da-China, temos diversas imagens das cartas e letras do poeta.
O segundo livro é também bastante interessante. Já ouvia o podcast homônimo de Pereira, onde gravava os ensaios sobre a construção e o estudo do humor. Estou curioso para ver o processo e edição do texto para a forma escrita. Logo rabisco o livro e trago mais para vocês.
Obrigado por ler até aqui!
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Outras produções estão disponíveis no meu site pessoal e você pode me ouvir falando de literatura no podcast 30:MIN.
Se quiser conversar, pode responder esse e-mail ou me encontrar no Instagram.
No último mês, eu:
Participei do episódio: “O crítico literário está morto? — Os 12 Trabalhos do Escritor”;
Participei do episódio: “30:MIN 527 – Livros ideias para cada signo”;
Participei do episódio: “30:MIN 528 – Aya de Yopougon, de Marguerite Abouet e Clément Oubrerie”;
Participei do episódio: “30:MIN 529 – A arte de matar: tragédia ou preguiça?”;
Participei do episódio: “30:MIN 530 – Livros para adiar o fim do mundo (com Ana Rüsche)”;
Participei do episódio: “30:MIN 531 – Onde vivem as monstras, de Aoko Matsuda”.
Sempre me impressiono com quanta novidade você traz em um mês. Um mundo novo a descobrir todo dia